O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Humberto Martins concedeu, na noite desta terça-feira (22), habeas corpus que libera da prisão o prefeito do Rio de Janeiro Marcelo Crivella. Ele foi detido nesta manhã desta terça-feira (22) em uma operação da Polícia Civil e do Ministério Público que apura os crimes de corrupção, organização criminosa e lavagem de dinheiro.
Martins considerou que a prisão preventiva era adequada, mas que faltou fundamentação para manter o prefeito detido em regime fechado. A pandemia do coronavírus, de acordo com o ministro, coloca a necessidade da conversão para prisão domiciliar. Martins também determinou o uso de tornozeleira eletrônica.
Além disso, segundo o STJ, o prefeito está proibido de manter contato com terceiros; terá que entregar telefones, computadores e tablets às autoridades; está proibido de sair de casa sem autorização e de usar celulares. As medidas cautelares são válidas até que o ministro Antonio Saldanha Palheiro, relator do habeas corpus impetrado pela defesa de Crivella, analise o mérito do pedido – o que deverá acontecer após o fim das férias forenses.
Crivella seguirá afastado da prefeitura do Rio. O presidente da Câmara Municipal, Jorge Felippe (DEM) será o prefeito municipal pelos próximos nove dias e entregará o cargo ao eleito, Eduardo Paes (DEM), em 1º de janeiro.
O que motivou a prisão
As prisões foram autorizadas pela desembargadora Rosa Helena Guita, do Tribunal de Justiça do Rio, em ação movida pelo Ministério Público fluminense. Crivella foi detido às 6h desta terça-feira (22) em sua casa na Barra da Tijuca. Ele atribuiu a prisão à "perseguição política" e disse esperar "justiça".
Também foram presos o empresário Rafael Alves, o delegado aposentado Fernando Moraes (ex-vereador e que foi chefe da Divisão Antissequestro), o ex-tesoureiro de campanha de Crivella, Mauro Macedo, além dos empresários Adenor Gonçalves dos Santos e Cristiano Stockler Campos. Há um mandado contra o ex-senador Eduardo Lopes, mas ele não foi encontrado em casa.
A investigação teve como ponto de partida a delação premiada do doleiro Sérgio Mizrahy, preso no âmbito da operação Câmbio Desligo, um dos desdobramentos da Lava-Jato fluminense. Veio dele a expressão "QG da Propina" para se referir ao esquema, que teria como operador Rafael Alves, homem forte da prefeitura, apesar de não ter cargo oficial. Ele é irmão do ex-presidente da Riotur, Marcelo Alves — os dois foram os principais alvos dos mandados de março, e Marcelo foi exonerado logo depois.
O suposto QG funcionaria assim, de acordo com o delator: empresas interessadas em trabalhar para o Executivo carioca entregavam cheques a Rafael, que faria a ponte com a prefeitura para encaminhar os contratos. O esquema também funcionaria no caso de empresas com as quais o município tinha dívidas — aqui, o operador mediaria o pagamento.
Os celulares de Alves, que não tinha cargo na prefeitura mas atuaria como gerenciador de propina em troca de contratos com empresas, foram peças-chave para associá-lo ao prefeito do Rio. Durante operação deflagrada em março, Crivella ligou para o empresário, mas quem atendeu foi o delegado que cumpria o mandado.
Apenas um dos quatro aparelhos foi entregue voluntariamente pelo investigado - os outros dois, além desse que recebeu a ligação de Crivella, estavam num carro de Shana Harouche, mulher de Rafael, no qual também foram encontrados R$ 50 mil, relógios e joias. Indícios, segundo o MP, de que ele se preparava para uma eventual fuga.
"Da análise do conteúdo dos telefones celulares de Rafael Alves, apurou-se que o Prefeito Marcelo Crivella figura como um de seus mais frequentes interlocutores, tendo sido detectadas, no aparelho encontrado sob a pilha de roupas, 1.949 mensagens trocadas entre eles", apontou a desembargadora Rosa Helena Guita, do Tribunal de Justiça do Rio.
Muitas delas tinham linguagem cifrada, "deixando transparecer que seu conteúdo não poderia ser tratado por meios de comunicação convencionais". As conversas mostravam ainda que vários encontros eram marcados entre Rafael e Crivella, seja na prefeitura ou na casa do mandatário - os dois moram no mesmo condomínio, na Barra da Tijuca, zona oeste da cidade.
Por ter sido o principal articulador econômico para a campanha de Crivella em 2016, Rafael Alves — que conseguiu para o irmão, Marcelo Alves, a vaga de presidente da Riotur — exercia influência constante sobre o comandante carioca. Segundo o MP e a Justiça, o prefeito acatava ordens do empresário como se fosse um subordinado: desfazia atos administrativos a pedido dele, por exemplo. "A subserviência do prefeito a Rafael Alves é assustadora", afirma a magistrada.
O que diz Crivella
Crivella nega todas as acusações. Após ter sido detido em casa, na Barra da Tijuca, o prefeito disse que foi o chefe do executivo municipal que mais combateu a corrupção, cobrou justiça e afirmou ser vítima de uma perseguição política.
O Republicanos, partido de Marcelo Crivella, saiu em defesa do prefeito do Rio. Em nota, a legenda presidida pelo deputado Marcos Pereira (SP) disse acreditar na "idoneidade" do prefeito e criticou a chamada judicialização da política. "A Executiva Nacional do Republicanos aguarda detalhes e os desdobramentos da prisão do prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella. O partido acredita na idoneidade de Crivella e vê com grande preocupação a judicialização da política", diz o comunicado.
Em pedido de soltura enviado à Corte, os advogados de Crivella afirmam que a prisão é "ilegal sob todas as óticas".
"Preferiu a autoridade coautora ratificar os termos da acusação e, salvo melhor juízo, emitir um juízo de valor (quase que condenatório) em face do paciente do que deveras discorrer acerca dos necessários fundamentos da custódia cautelar", aponta a defesa de Crivella. "Ainda que a ação penal sequer tenha se iniciado, prejulga o paciente ao aduzir que 'o prefeito de locupletava dos ganhos ilícitos auferidos pela organização criminosa' e se utiliza de ilações, presunções e expressões totalmente inapropriadas em uma decisão judicial."
Os advogados afirmam ainda que a magistrada deu crédito a delações premiadas para "formar presunções genéricas" contra Crivella. Em um momento, a desembargadora disse que o "voraz apetite pelo dinheiro público" não se limitou à atual gestão do prefeito, relembrando as delações do doleiro Álvaro Novis e seu funcionário, Edmar Santas, que relataram pagamento de propinas da Fetranspor a Crivella quando ele ainda era senador, em 2010.
As investigações tiveram como base as colaborações firmadas pelo doleiro Sérgio Mizrahy e quatro empresários que confessaram participação em um esquema de propinas na Prefeitura, na qual faziam repasses a Rafael Alves, homem de confiança de Crivella, em troca de benefícios com a administração pública.
"O que se verifica são menções e menções às investigações que não citam diretamente o paciente, além de expressões genéricas de convencimento, como no trecho em que narra haver convicção extraída de elementos concretos de informação reunidos ao longo de mais de 02 anos de investigação", apontam.
A defesa de Crivella também rejeita a acusação de que o prefeito tentou obstruir as investigações ao entregar um celular que não utilizava durante as buscas realizadas em setembro, na Operação Hades. Segundo os advogados, Crivella não resistiu à entrega dos aparelhos, permitindo a apreensão de um celular "seja lá de quem seja".
Em outro ponto, é criticado o fato da decisão ter sido proferida de forma monocrática durante o recesso do Judiciário, período em que os plantões são comandados pelos presidentes das Cortes e tribunais do País, e que Crivella deixaria o mandato daqui a nove dias.
"O desacerto não poderia ser maior. A prisão do paciente é ilegal sob absolutamente todas as óticas", frisou a defesa.