Relator da Lava-Jato no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), o desembargador João Pedro Gebran Neto não costuma dar entrevistas. Nesses seis anos da maior operação de combate à corrupção do país, quando aceitou falar com a imprensa, ou foi por e-mail ou foi sobre saúde pública, assunto que também lhe é muito caro além do Direito Penal. O curitibano, de 56 anos, aceitou quebrar o silêncio e concedeu entrevista exclusiva à Rádio Gaúcha.
Da sua casa, na capital paranaense, não hesitou em falar no programa Gaúcha Faixa Especial, neste domingo (20). Durante 44 minutos, falou sobre as críticas da direita e da esquerda à Lava-Jato, sobre o futuro da operação, sobre a condução dos processos pelo ex-juiz Sergio Moro e sobre a troca de comando no Supremo Tribunal Federal (STF) e na Procuradoria-Geral da República (PGR).
O desembargador também falou pela primeira vez sobre o episódio envolvendo seu colega de corte, o desembargador Rogério Favreto, que, em 2018, mandou soltar em um final de semana de plantão o então preso Luiz Inácio Lula da Silva. Na oportunidade, Gebran foi contrário à libertação, o que se confirmou em julgamento da 8ª Turma dias depois. Em relação a Lula, também falou sobre as constantes manifestações do ex-presidente contra os integrantes da 8ª Turma – colegiado composto por três desembargadores responsável por julgar processos da Lava-Jato em segunda instância no Sul do país. Sobre Jair Bolsonaro, disse que espera que o presidente cumpra sua principal promessa de campanha que foi o combate à corrupção. Confira os principais trechos da entrevista.
Dedicação à Lava-Jato
Gebran fez um balanço da quantidade de processos da Lava-Jato julgados pela corte. Segundo ele, foram mais de mil. Desses, cerca de 40 são os chamados processos de mérito, quando as apelações contra sentenças de 1o grau são julgadas:
— Não tem como estabelecer um período para cuidar da Lava-Jato. A Lava-Jato toma a maior parte do meu tempo e a maior parte do tempo do meu gabinete.
Segundo Gebran, ainda há material da operação para trabalhar por muito tempo.
— Se a gente acompanhar as operações realizadas pela Polícia Federal, pelo Ministério Público Federal, elas somam aproximadamente 80 operações. Se temos 80 e cada uma delas virar um processo de mérito, e o Tribunal já julgou 45, eu imagino que nós tenhamos mais uns trinta e tantos processos de mérito.
Se a esquerda e a direita estão reclamando, significa que a operação Lava-Jato está no caminho certo
Gebran saiu em defesa da operação quando perguntado se a operação cometeu excessos.
— Fazendo quase que uma brincadeira, mas se a esquerda e a direita estão reclamando, significa que a operação Lava-Jato está no caminho certo.
Para o magistrado, essas críticas significam que a operação não tem ideologia.
— A Lava-Jato é uma operação que busca apurar fatos. Esses fatos são objetos de denúncia pelo Ministério Público, depois julgamento por um juiz de primeiro grau, seja o ex-juiz Sergio Moro ou o atual titular da vara, o juiz Bonat (Luiz Antônio Bonat), e sempre feito de maneira isenta e imparcial.
Gebran lembrou que discussões sobre possível parcialidade de juiz, procurador e desembargador foram todas rejeitadas pelo TRF4 e Superior Tribunal de Justiça (STJ).
— É possível afirmar que a operação Lava-Jato não cometeu excessos.
Assim como considera que o trabalho da operação foi dentro dos trilhos jurídicos, também avalia que o trabalho do ex-juiz Sergio Moro sempre esteve dentro da legalidade.
— Posso afirmar de modo categórico que não houve cometimento de excessos. Digo isso porque julgamos os diversos recursos que chegaram ao Tribunal. E todas as matérias que chegaram ao conhecimento do Tribunal foram julgadas com absoluta imparcialidade e justiça.
Elogios a Moro
Perguntado se Moro acertou ao deixar a magistratura para virar ministro da Justiça, preferiu não opinar. Mas teceu elogios sobre o curto período em que o ex-colega ocupou o cargo até romper com Bolsonaro, citando duas iniciativas de Moro.
— Há algumas iniciativas extremamente positivas, seja a propositura do pacote de leis anticrime, seja uma iniciativa de integração entre as diversas forças de combate à criminalidade na fronteira do Paraná com o Paraguai.
Críticas de Lula
Sobre críticas diretas do ex-presidente Lula aos integrantes da 8ª Turma, o desembargador afirma o colegiado não olha a capa dos processos, numa referência às partes. Sobre a alegação de eventual perseguição, sustenta que trata-se de uma argumentação política do petista.
— O ex-presidente como um político por natureza, ele vê as coisas de modo político. E a forma que ele encontra compreender os fatos, na visão que ele tem, é uma forma política. Não procede de modo algum (a perseguição). As questões são todas analisadas mediante provas, técnicas, o exame do Direito e dos fatos — afirma Gebran. Ele também lembra que as decisões da 8ª Turma têm sido confirmadas nos tribunais superiores.
O episódio Favreto
Em 2018, houve um imbróglio jurídico em um final de semana de plantão do TRF4 envolvendo o ex-presidente Lula, que na ocasião se encontrava preso. O desembargador plantonista Rogério Favreto concedeu habeas corpus ao petista. O então juiz Sergio Moro, o próprio Gebran e o então presidente da corte, desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores, derrubaram essa decisão no mesmo dia e mantiveram Lula na cadeia – com a confirmação da 8a Turma dias depois. Pela primeira vez Gebran falou publicamente sobre o assunto.
- Atuei da forma mais correta e isenta possível. Procurei fazer aquilo que julguei adequado e correto pelos diversos motivos que estão fundamentados nas minhas decisões.
O desembargador classifica aquele imbróglio jurídico como “um infeliz episódio”.
— Inclusive, no que diz respeito à competência para a tomada de decisão, que sempre entendi que era minha. Por isso, que decidi revogar aquela decisão, fato esse que foi confirmado dias depois pela 8ª Turma do Tribunal.
Sobre a sua relação pessoal com Favreto, disse que continua “cordial como sempre foi”. Diz que nunca foram pessoas próximas, mas que o episódio não provocou qualquer tipo de distanciamento ainda maior ou inimizade.
Prisão após condenação em segunda instância
Gebran é um defensor da prisão após condenação em segunda instância. Diz que há poucos modelos no mundo onde se exige o trânsito em julgado para o início do cumprimento da pena. Em novembro de 2019, o STF derrubou o início de cumprimento da pena após julgamento de órgãos colegiados e passou a exigir o fim da ação penal para que isso ocorra.
— Qual é a diferença dos países que exigem o trânsito em julgado para o Brasil? É que nenhum desses outros países tem um leque de recursos, uma quantidade de possibilidades para que os processos sejam revisados pelas outras duas instâncias. Aliás, são raros os países que têm uma terceira instância, como o STJ – observa Gebran ao citar o caso do ex-deputado Paulo Maluf, que começou a cumprir pena em um dos processos que responde às vésperas da prescrição dos crimes.
Para o magistrado, sem esse instrumento a sensação ou a própria impunidade aumenta no país.
Rotina na pandemia
Desde que o TRF4 suspendeu as atividades presenciais durante a pandemia, Gebran tem trabalhado na sua residência, por meio do bem avaliado pelo meio jurídico E-proc, sistema eletrônico criado, inclusive, pela Justiça Federal da 4ª Região.
- Tivemos um ganho de produtividade nesse período. Por incrível que pareça, a tecnologia tem nos propiciado aumentar a produtividade - destaca o magistrado, ao ponderar sobre a importância das relações presenciais no Tribunal.
As sessões de julgamento estão ocorrendo de forma virtual.
Defesa da força-tarefa
O desembargador lembrou que da investigação pela PF, passando pela tramitação do processo penal e pela sentença até chegar à 2ª instância para julgamento de recurso, leva tempo. Por isso, diz que o formato de força-tarefa é fundamental para agilidade dos casos, “seja pela Polícia Federal, seja pelo Ministério Público federal”.
— Se não for mantida essa estrutura, obviamente vai perder muito em velocidade, em produtividade e vai aumentar em demasia o lapso para que essas investigações sejam concluídas. E as investigações sejam objetivos de denúncias nos casos onde houver fatos em que o Ministério Público entenda como típico.
Sem escolta
Diferente do ex-juiz Sergio Moro que tinha escolta na época em que conduziu os processos da Lava-Jato em Curitiba, Gebran disse que não tem segurança pessoal. Também que não tem modificado sua rotina de vida em razão dos processos de grande repercussão com réus poderosos que julga. Disse que em momentos muito pontuais teve escolta em deslocamentos entre sua casa e o aeroporto, por exemplo.
— Nesses seis anos, a imensa maioria do tempo eu tenho a minha vida normal. Eu prescindo da necessidade de segurança.
Troca de comando no STF
Magistrado há 27 anos, Gebran vê com bons olhos a presidência do STF pelo recém-empossado ministro Luiz Fux. Enalteceu o fato de ter um juiz de carreira no comando da mais alta corte do país.
— Conhece o Judiciário desde o primeiro grau, do segundo grau, do último grau de jurisdição. Isso é motivo de bastante alegria e de ter uma expectativa muito positiva com a gestão do ministro Luiz Fux.
Também lembrou o fato de Fux ser professor universitário e autor de livros.
Vagas no STF
Perguntado se via cotados para as vagas que serão abertas neste ano e em 2021 no STF, com as saídas de Marco Aurélio Mello e Celso de Mello, preferiu não citar nomes. No entanto, disse que espera que Bolsonaro cumpra sua principal promessa de campanha.
— Que nomeie pessoas, efetivamente, comprometidas ao combate à corrupção, a esse tipo de criminalidade que nós estamos discutindo há, pelo menos, seis anos na operação Lava-Jato. Isso foi um mote de campanha, uma promessa de campanha do então candidato Jair Bolsonaro, hoje presidente da República. E espero e acredito que ele vá honrar com essa sua promessa e indicar pessoas que tenham uma tradição e posições sérias e firmes na boa condução dos processos e no julgamento célere e eficaz do combate à criminalidade sofisticada.
Saúde pública
Além do Direito Penal, a saúde pública é outra paixão de Gebran. É integrante do Fórum Nacional de Saúde do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Participa ativamente das discussões sobre saúde no país. Diz que um dos desafios é a redução da judicialização da saúde.
— Para tratar do SUS propriamente dito, o que precisa é de investimento. O SUS precisa de investimento e compreensão por parte da sociedade do papel que ele desempenha – conclui o magistrado, ao ressaltar que considera o SUS uma das maiores conquistas da Constituição brasileira.