A força-tarefa da Lava-Jato do Ministério Público Federal (MPF) no Paraná ofereceu, nesta segunda-feira (14), denúncia contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci e o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, pelo crime de lavagem de dinheiro. O ex-presidente havia sido indiciado pela Polícia Federal (PF) em dezembro de 2019.
Os três são acusados da prática por meio de doações para supostamente dissimular o repasse de R$ 4 milhões durante o período compreendido entre dezembro de 2013 e março de 2014. Conforme consta na denúncia, os valores ilícitos teriam sido entregues mediante quatro operações de doação simulada realizadas pelo Grupo Odebrecht em favor do instituto, cada uma no valor de R$ 1 milhão.
Para a defesa de Lula, a denúncia não tem "qualquer indício de materialidade" e fala em doações que foram "devidamente contabilizadas". "A Lava Jato mais uma vez recorre a acusações sem materialidade contra seus adversários, no momento em que a ilegalidade de seus métodos em relação a Lula foi reconhecida recentemente em pelo menos 3 julgamentos realizados pelo Supremo Tribunal Federal", afirma a nota (confira na íntegra ao final do texto).
A denúncia
De acordo com o MPF, as investigações apontam que, para dissimular o repasse da propina, Marcelo Odebrecht, que estaria atendendo a pedido de Lula e Okamotto, determinou diretamente que o valor fosse transferido sob a forma de doação formal ao Instituto Lula.
Porém, conforme indicariam as provas reunidas pelo MPF, os valores teriam sido debitados do crédito ilícito de propina contabilizado na Planilha Italiano, mais especificamente da subconta chamada "amigo" (rubrica referente a Lula, segundo indicariam as provas), na qual foi inserida a anotação "Doação Instituto 2014" no valor de R$ 4 milhões, como demonstrado por reprodução da planilha incluída na denúncia.
O procurador da República Alessandro Oliveira destaca o conjunto de provas que permitiram fundamentar a denúncia:
— São centenas de provas, de comunicações a planilhas e comprovantes de pagamento que ligam a doação formal de altos valores a possíveis ilícitos praticados anteriormente. Isso demonstra a complexidade e a verticalidade da análise realizada pela força-tarefa em diversas fases, nesse caso a lavagem de dinheiro, mas sem perder a noção de um contexto mais amplo de práticas.
Em decorrência dos fatos denunciados, o MPF pediu o perdimento do produto e proveito dos crimes ou do seu equivalente, incluindo aí os valores bloqueados em contas e investimentos bancários e em espécie, apreendidos em cumprimento aos mandados de busca e apreensão, no montante de, pelo menos, R$ 4 milhões. Esse valor corresponderia à propina repassada mediante doação simulada ao Instituto Lula.
O MPF requer, ainda, em relação a Lula e Okamotto, a devolução para a Petrobras, a título de reparação de danos, de valor correspondente à propina que teria sido recebida, e, com respaldo em precedentes do Supremo Tribunal Federal, a condenação dos denunciados por danos morais causados à população brasileira mediante a prática dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
Conforme a investigação do MPF, Marcelo Odebrecht e Antonio Palocci teriam ajustado, em 2010, aprovisionar R$ 35 milhões do saldo constante na "Planilha Italiano" para atender gastos e despesas demandados por Lula, o que teria levado à criação de uma subconta chamada "amigo" na planilha que controlaria a suposta conta corrente de propinas entre a Odebrecht e o PT. Tal conta seria controlada por Marcelo e os pagamentos destinados ao PT e a Lula eram negociados diretamente com Palocci.
Segundo o MPF, foram anexadas na denúncia cópias de quatro recibos de doação realizadas em favor do Instituto Lula, ocorridos em 16/12/2013, 31/01/2014, 05/03/2014 e 31/03/2014, totalizando R$ 4 milhões. Além disso, o registro do valor repassado pela Odebrecht ainda consta em planilha Excel chamada "previsão", localizada em mídia apreendida em poder de Okamotto, então presidente do Instituto Lula, durante a 24ª fase da Lava-Jato.
A denúncia também foi instruída com cópia de procedimento de fiscalização da Receita Federal que analisou as atividades do Instituto Lula a partir de e-mails trocados por diretores e empregados da instituição, que demonstrariam, segundo o MPF, a existência de uma confusão patrimonial entre o Instituto Lula, a sociedade empresarial L.I.L.S. Palestras, Eventos e Publicações e o próprio ex-presidente.
Confira a nota da defesa de Lula na íntegra
Nota da Defesa do ex-Presidente Lula
A defesa do ex-presidente Lula foi surpreendida por mais uma denúncia feita pela Lava Jato de Curitiba sem qualquer materialidade e em clara prática de lawfare. A peça, também subscrita pelos procuradores que recentemente tiveram suas condutas em relação a Lula analisadas pelo CNMP após 42 adiamentos — e foram beneficiados pela prescrição —, busca criminalizar 4 doações lícitas feitas pela empresa Odebrecht ao Instituto Lula entre 2013 e 2014. Tais doações, que a Lava Jato afirma que foram “dissimuladas”, estão devidamente documentadas por meio recibos emitidos pelo Instituto Lula — que não se confunde com a pessoa do ex-presidente — e foram devidamente contabilizadas.
A Lava Jato mais uma vez recorre a acusações sem materialidade contra seus adversários, no momento em que a ilegalidade de seus métodos em relação a Lula foi reconhecida recentemente em pelo menos 3 julgamentos realizados pelo Supremo Tribunal Federal. No caso do uso da delação de Palocci em processos contra Lula às vésperas das eleições presidenciais de 2018, o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, também identificou possível motivação política do ato, além da própria ilegalidade. Para além disso, o mesmo tema tratado na nova denúncia já é objeto de outra ação penal aberta pela mesma Lava Jato de Curitiba contra Lula, que foi recentemente sobrestada por decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, acolhendo pedido da defesa do ex-presidente.
O excesso de acusações frívolas (overcharging) e a repetição de acusações são táticas de lawfare, com o objetivo de reter o inimigo em uma rede de imputações, objetivando retirar o seu tempo e macular sua reputação.
A denúncia acusa Lula e outras pessoas pela prática de lavagem de dinheiro, partindo da premissa de que o ex-presidente integraria uma organização criminosa. No entanto, Lula já foi absolvido de tal acusação pela 12ª. Vara Federal de Brasília, por meio de decisão que se tornou definitiva (transitada em julgado) e que apontou fins políticos na formulação da imputação. Nos contratos da Petrobras referidos na denúncia não há qualquer ato praticado por Lula (ato de ofício), assim como não há qualquer conduta imputada ao ex-presidente que tenha sido definida no tempo e no espaço, mesmo após 5 anos de investigação.
Essa nova investida da Lava Jato contra Lula reforça a necessidade de ser reconhecida a suspeição dos procuradores de Curitiba em relação ao ex-presidente, que está pendente de análise no Supremo Tribunal Federal, assim como a necessidade de ser retomado o julgamento da suspeição do ex-juiz Sergio Moro — a fim de que os processos abertos pela Lava Jato de Curitiba em relação a Lula sejam anulados.
Cristiano Zanin Martins