O polêmico projeto das fake news, que está sob análise na Câmara dos Deputados, pode limitar a liberdade de expressão, prejudicar o debate democrático e abrir margem para excessos que põem em risco a privacidade dos usuários, alertam especialistas ouvidos pela reportagem. Entre as medidas presentes na proposta, aprovada pelo Senado, estão a exclusão de contas falsas, a moderação do conteúdo publicado em plataformas e o armazenamento de registros de mensagens disparadas por celular.
O presidente Jair Bolsonaro já avisou que vai vetar o texto, caso seja aprovado pelos deputados.
Por tratar de um tema tão complexo e delicado, o projeto deveria ser amplamente discutido pelos parlamentares e a sociedade brasileira, e não aprovado a toque de caixa, avalia o professor Bruno Bioni, fundador da Data Privacy Brasil de Pesquisa, associação voltada para a área de privacidade e proteção de dados. Na opinião de Bioni, um dos trechos mais problemáticos do projeto das fake news é o que prevê que serviços de mensagem, como WhatsApp e Telegram, deverão guardar os registros dos envios de mensagens em massa por três meses.
O texto impõe o armazenamento quando a mensagem disparada alcançar ao menos mil usuários.
— Como isso vai ser operacionalizado? Você vai criar por esse prazo de três meses um catálogo muito preciso sobre como as pessoas se comunicam, o que é problemático para o direito à privacidade e proteção de dados pessoais. Quando você cria essa infraestrutura de vigilância, você flexibiliza o princípio da presunção de inocência, partindo do pressuposto de que todas as pessoas podem praticar ilícitos — disse o professor.
Contas falsas
O advogado Pablo Cerdeira, coordenador do Centro de Tecnologia para o Desenvolvimento da Fundação Getulio Vargas (FGV), avalia que o veto a contas falsas pode trazer consequências indesejáveis.
De acordo com o projeto, as redes sociais e os serviços de mensagens privados deverão vetar o funcionamento de "contas inautênticas", definidas pelo próprio texto como aquelas que foram criadas com o propósito de "assumir ou simular identidade de terceiros para enganar o público".
— Não sei se a gente precisa tornar mais fácil identificar alguém na internet. Suponha um grupo de mulheres que se reúnam num grupo do WhatsApp para debater assédios que sofrem no trabalho. Talvez queiram compartilhar experiências sem se expor. Há casos em que isso seria interessante, se você imaginar alguém que está espalhando discurso de ódio, mas por outro lado abre espaço para perseguir minorias e grupos opositores — disse Cerdeira.
Outro ponto criticado do projeto de lei é o que trata de moderação das redes sociais.
— É difícil fazer certos julgamentos que são subjetivos, em certo grau, imagina estabelecer critérios de moderação aplicados em escala. Difícil exigir um grau de qualificação do debate com critérios rigorosos em massa — afirmou Rodrigo Karolczak, pesquisador do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV Direito de São Paulo.
Para a presidente do Instituto Palavra Aberta, Patricia Blanco, "não existe bala de prata":
— É necessário ampliar o espaço da educação midiática em qualquer lei que tenha como objetivo combater a desinformação.