O procurador-geral da República, Augusto Aras, disse nesta quinta-feira (28) que não mudou de opinião sobre o inquérito sobre fake news ao propor ao ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), que o suspenda.
Em nota, Aras sustentou que sua manifestação no caso, apresentada na quarta (27), é coerente com as anteriores e visa preservar a licitude das provas colhidas na investigação, que mira políticos, empresários e ativistas do bolsonarismo.
O inquérito apura notícias fraudulentas, falsas comunicações de crime, denúncias caluniosas, ameaças e demais infrações difamatórias contra o Supremo.
Foi instaurado em 2019 de forma atípica, sem prévia requisição da Procuradoria-Geral da República (PGR), com base num artigo do regimento da Corte. Ele prevê que, ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do tribunal, o presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará essa atribuição a outro ministro.
Diferentemente do que ocorre normalmente, as medidas investigativas não têm sido propostas pelo Ministério Público Federal (MPF) ou pela Polícia Federal, mas pelo próprio Supremo, que as defere.
A operação desta quarta (27) contra apoiadores de Jair Bolsonaro foi sugerida pelo juiz que auxilia o ministro Alexandre de Moraes, que preside a investigação.
Inquérito em debate
A condução do inquérito tem sido motivo de controvérsia por, supostamente, desrespeitar as prerrogativas do Ministério Público de exercer o controle e a supervisão do caso. No ano passado, a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu o arquivamento do caso em mais de uma oportunidade por possível afronta ao regramento das investigações vigentes no país.
Aras, após assumir, tomou caminho distinto dela e não propôs o mesmo. Numa primeira manifestação, considerou que a apuração é constitucional e poderia prosseguir, desde que estivesse adstrita à garantia da segurança dos integrantes do tribunal, conforme versa o regimento do Supremo, e contasse com a participação do Ministério Público, única instituição com atribuição de propor ações penais, após reunidas as provas.
O procurador-geral foi consultado pelo Supremo a respeito dos mandados de busca e apreensão e das quebras de sigilo contra os investigados, discordando das medidas. Mesmo assim, Moraes as autorizou, o que, para Aras, não poderia ter ocorrido. Diante disso, ele se disse surpreendido com a operação e pediu a Fachin que sustasse o inquérito até análise do plenário sobre seus limites.
O parecer gerou interpretações de que o procurador-geral mudou de opinião. O documento foi apresentado numa ação ajuizada pela Rede Sustentabilidade. O partido requer que a investigação seja considerada inconstitucional e, portanto, anulada. O procurador, contudo, não pede o arquivamento, mas que sejam definidos os contornos da apuração.
Fachin já liberou a ação da Rede para ser pautada em plenário, mas isso depende de decisão do presidente da corte, Dias Toffoli, que está internado em um hospital de Brasília para se recuperar de uma cirurgia. A expectativa da PGR é de que o processo seja julgado em breve.
O governo e seus aliados pretendem pressionar Toffoli e demais ministros para que isso ocorra logo. Uma decisão colegiada seria o caminho para enfraquecer o papel de Moraes no inquérito, dando maior protagonismo ao procurador-geral, ou mesmo de anulá-lo.
Nesta quinta, em nota, Aras afirmou que tem se manifestado no sentido de preservar o inquérito atípico instaurado no âmbito do STF apenas em seus estreitos limites, em homenagem à prerrogativa de qualquer órgão, no particular os tribunais, de realizar investigações preliminares quanto a fatos que atentem contra a segurança e a vida pessoal de seus integrantes.
Contudo, o inquérito 4.781, denominado inquérito das fake news, tem exorbitado os limites que apontamos em manifestação de mérito na ADPF 572 (a ação da Rede), cujo objeto é a sua validade ou não, argumentou.
O procurador-geral disse que, pela primeira vez, Moraes instou a PGR a opinar sobre as diligências pretendidas, mas se viu surpreendido com a realização de diligências sobre as quais se manifestou contrariamente por entender serem desproporcionais e desnecessárias por conta de os resultados poderem ser alcançados por outros meios disponíveis e menos gravosos.
Solicitei ao relator da ADPF 572, ministro Edson Fachin, a suspensão do mencionado inquérito 4.781 apenas até que o STF possa, por seu órgão plenário, estabelecer os contornos e os limites desse atípico inquérito e esclarecer como será a participação do Ministério Público, escreveu.
Por conseguinte, não houve mudança do posicionamento anteriormente adotado no inquérito, mas, sim, medida processual para a preservação da licitude da prova a ser produzida, a fim de, posteriormente, vir ou não a ser utilizada em caso de denúncia. A simples leitura das manifestações do PGR, que são públicas na ADPF 572, demonstra coerência e confirma que jamais houve mudança de posicionamento, especialmente no Inquérito 4.781.
Em nota, a Comissão Arns de Direitos Humanos afirmou que o pronunciamento de Aras foi uma "inusitada e inadequada" contestação a uma medida do STF. O órgão afirmou ver com preocupação "manifestações desestabilizadoras feitas por agentes públicos" que atingem o Supremo e seus ministros e declarou apoio e solidariedade ao STF.
"Parece evidente que haverá uma ação planejada para a instauração de um confronto institucional. Órgãos do Poder Executivo e entidades a ele ligadas irão tecer críticas e adotar posicionamentos de desrespeito e de desobediência, para minimizar a importância do Judiciário, lançar a sociedade contra si e criar um clima de antagonismo institucional", diz a nota.
Que pontos do inquérito estão sendo questionados?
Ato de ofício
Toffoli abriu o inquérito sem provocação de outro órgão, o que é incomum. Segundo o STF, porém, há um precedente: uma investigação aberta de ofício pela Segunda Turma da Corte no ano passado para apurar o uso de algemas na transferência de Sérgio Cabral (MDB-RJ).
Competência
A investigação foi instaurada pelo próprio Supremo, quando, segundo críticos, deveria ter sido encaminhada para o Ministério Público. O argumento é que o órgão que julga não pode ser o mesmo que investiga, pois isso pode comprometer sua imparcialidade.
Relatoria
O presidente da Corte designou o ministro Alexandre de Moraes para presidir o inquérito, sem fazer sorteio ou ouvir os colegas em plenário. Assim, Moraes é quem determina as diligências investigativas.
Foro
O que determina o foro perante o STF é quem cometeu o delito, e não quem foi a vítima. Para críticos, a investigação não deve correr no Supremo se não tiver como alvo pessoas com foro especial. Moraes disse que, localizados os suspeitos, os casos serão remetidos às instâncias responsáveis por julgá-los.
Regimento
Toffoli usou o artigo 43 do regimento interno do STF como base para abrir a apuração. O artigo diz que, ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do tribunal, o presidente instaurará inquérito. Críticos dizem que os ataques pela internet não ocorrem na sede do Supremo, mas Toffoli deu uma interpretação ao texto de que os ministros representam o próprio tribunal.
Liberdade de expressão
Moraes pediu o bloqueio de redes sociais de sete pessoas consideradas "suspeitas de atacar o STF". A decisão foi criticada por ferir o direito à liberdade de expressão. O mesmo pode ser dito sobre a censura, depois derrubada, aos sites da revista Crusoé e O Antagonista.