A escalada das tensões entre o presidente Jair Bolsonaro e o Supremo Tribunal Federal (STF) tem motivados os membros da Corte a acumular material que eventualmente possa ser usado para frear o ímpeto do Executivo. Atualmente, os ministros conduzem três inquéritos potencialmente danosos ao presidente no STF e outras quatro ações de cassação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No Palácio do Planalto, há o entendimento de que Bolsonaro está sendo cercado.
Autor do despacho que determinou o cumprimento de 29 mandados de busca e apreensão contra blogueiros e empresários suspeitos de disseminar mentiras contra o tribunal e que são aliados do Planalto, Alexandre de Moraes também está prestes a ganhar assento na Corte eleitoral. Na próxima terça-feira (2), ele toma posse como membro efetivo do TSE, onde deverá julgar pedidos de cassação da chapa vencedora na eleição presidencial de 2018 por suposto disparo em massa de mensagens via WhatsApp. No início da semana, o presidente do tribunal, Luis Roberto Barroso, anunciou que pretende levar em breve o caso a julgamento.
Ao compreender o período da campanha de 2018 na decisão de quebrar os sigilos bancários e fiscal de quatro empresários investigados no inquérito das fake news, Moraes permite que as informações sejam compartilhadas com a apuração de eventual crime eleitoral. Há ainda possibilidade de que o depoimento de Paulo Marinho no inquérito sobre suposta interferência de Bolsonaro na Polícia Federal, aos cuidados de Celso de Mello, também possa subsidiar os processos no TSE.
Essas iniciativas dos ministros do Supremo são lembradas a todo momento por interlocutores de Bolsonaro nos pedidos para que ele atenue as críticas. Militares influentes e outros conselheiros de ambos os lados foram escalados para tentar apaziguar os ânimos elevados dos últimos dias.
Ainda assim, causou estranheza na Corte ter partido do ministro da Justiça, André Mendonça, o pedido para suspensão do depoimento do ministro da Educação, Abraham Weintraub. Em tese, a petição teria de ser originada na Advocacia-Geral da União, cuja atribuição primordial é fazer a defesa jurídica do governo. Para os ministros, a iniciativa foi uma demonstração de que o governo quis buscar conciliação. Na quarta-feira (27) à noite, Bolsonaro chegou a cogitar proibir Weintraub de prestar depoimento.
Amigo dos ministros Dias Toffolli e Gilmar Mendes, Mendonça tem bom trânsito no tribunal, inclusive junto a Luiz Fux, próximo presidente do STF, e sempre aparece como favorito na corrida por uma indicação à vaga do decano Celso de Mello, em novembro.
No habeas corpus impetrado, Mendonça pediu que Weintraub seja excluído do inquérito das fake news e dispensado de prestar depoimento. A determinação para o interrogatório do ministro ocorreu na quarta-feira, mesmo dia em que Moraes autorizou a operação no inquérito das fake news.
Mendonça já havia procurado os magistrados informalmente, na tentativa de poupar o colega de Esplanada de uma eventual investida judicial após a fatídica frase na reunião de 22 de abril, quando Weintraub disse que “botava todos esses vagabundos na cadeia, começando no STF”. Não obteve êxito e agora deve fracassar novamente.
Em conversas reservadas, os ministros comentam que nem sequer cabe habeas corpus contra decisão individual de um membro da Corte. Também argumentam que dificilmente um colega cassaria decisão de outro, ainda mais se tratando de um ataque grave à instituição.
O pedido de Mendonça acabou sorteado para Edson Fachin, que pediu manifestação de Moraes antes de se pronunciar. Também nessa quinta-feira, Fachin liberou para julgamento no plenário uma ação da Rede que questiona a legalidade do inquérito das fake news. Nos bastidores, a atitude do ministro é vista como uma oportunidade para o colegiado chancelar a investigação e os atos de Moraes. A decisão de Fachin se deu no bojo de um pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, que na véspera havia solicitado a suspensão das investigações. Em vez de responder a Aras, Fachin preferiu compartilhar a decisão com os colegas de toga.
Em conservas reservadas, os ministros reconhecem que o inquérito é uma aberração jurídica, uma vez que os membros da Corte são ao mesmo tempo vítimas e julgadores dos supostos crimes cometidos contra si. Em contrapartida, todos sabem que o processo é o único escudo que dispõem para fazer frente a investidas do Planalto.
O julgamento da legalidade do inquérito deve ser marcado para a próxima semana. A ideia é fazer da decisão uma demonstração de força e união, ainda que seja necessário corrigir alguma medida tomada por Moraes. Eventual correção de rumos serviria também para mostrar ao governo que a Corte está disposta a fazer concessões em nome de um armistício.
O Planalto já foi lembrado que, ao expedir os 29 mandados de busca e apreensão, Moraes acabou poupando das diligências os aliados mais próximos da família Bolsonaro. São os três assessores lotados no chamado “gabinete do ódio”. Matheus Sales, Mateus Matos Diniz e Tercio Arnaud Tomaz trabalham no terceiro andar do Palácio do Planalto, onde fica o gabinete presidencial, e seriam chefiados informalmente pelo vereador Carlos Bolsonaro.
Outro deixado de fora da operação é Eduardo Guimarães, secretário parlamentar de Eduardo Bolsonaro, e também apontado como integrante de milícia digital. Pelo menos por enquanto nenhum deles sofreu alguma sanção judicial.