No dia em que o cenário político foi tumultuado por uma operação da Polícia Federal (PF) mirando o governador do Rio, Wilson Witzel, as atenções dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) estavam voltadas para outra diligência policial. Mantido sob sigilo pelo decano da Corte, Celso de Mello, o depoimento do empresário Paulo Marinho sobre suposta interferência do presidente Jair Bolsonaro na PF pode se desdobrar em outras investidas judiciais contra o inquilino do principal gabinete da República.
Marinho falou por cerca de oito horas aos investigadores, nesta terça-feira (26). A expectativa entre os integrantes do STF é de que o empresário, ex-aliado e profundo conhecedor dos bastidores da máquina de propaganda digital de Bolsonaro, possa alimentar não só a apuração sobre uso político da corporação policial, mas também inquérito que apura fake news contra instituições e autoridades, além das ações na Justiça Eleitoral que visam cassar o mandato do presidente e do vice Hamilton Mourão.
“Acabei de sair da sede da PF do RJ, onde prestei meu terceiro depoimento aprofundando os fatos e trazendo novos episódios que narrei na entrevista da Folha do último domingo. Agora a bola está com as autoridades”, escreveu Marinho numa rede social.
Ao jornal, o empresário havia relatado um suposto vazamento de informações privilegiadas da PF à Flávio Bolsonaro sobre uma iminente operação que teria como alvo um amigo família, Fabrício Queiroz. Assessor de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio, Queiroz era suspeito de comandar um esquema de rachadinha no gabinete.
Ao final do depoimento desta terça-feira, Marinho disse ter apresentado “elementos materiais” sobre o caso e que irá entregar o telefone celular para perícia na próxima quinta-feira. Na véspera, Celso de Mello havia decretado o sigilo do depoimento e negado o pedido de Flávio Bolsonaro para presenciar o interrogatório.
É crescente e notório na Corte a insatisfação com a chancela do Planalto aos ataques de simpatizantes do presidente. Como Marinho gerenciava o quartal-general da campanha de Bolsonaro e era muito amigo do ex-ministro Gustavo Bebianno, morto em março deste ano, os magistrados agora cogitam poder compartilhar informações do depoimento. Antes de morrer, Bebianno deixou um celular com supostas informações comprometedoras para Bolsonaro e sua família. Há suspeita de que Marinho tenha a posse do aparelho e possa fornecer os dados.
Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, o ministro Luis Roberto Barroso disse nesta terça-feira que pretende pautar nas próximas semanas o julgamento as duas ações que podem cassar a chapa composta por Bolsonaro e Mourão. Ajuizados pelos então candidatos Marina Silva (Rede) e Guilherme Boulos (PSOL), os processos versam sobre a atuação digital da campanha de Bolsonaro em 2018. No inquérito das fake news, conduzido por Alexandre de Moraes, há interesse em saber se Marinho conhecia como opera a militância digital bolsonarista, as formas de financiamento e quem determina os alvos de cada ataque.