Investigadores que trabalham no chamado inquérito das fake news do Supremo Tribunal Federal (STF) concentraram a operação desta quarta-feira (27) em três grupos: operadores de uma rede de ataques a autoridades, possíveis financiadores dessas atividades e parlamentares aliados do presidente Jair Bolsonaro.
Foram alvos de mandados de busca e apreensão militantes, blogueiros, youtubers, políticos bolsonaristas, assessores e empresários. A maior parte tem forte atuação nas redes sociais e publica críticas a ministros do STF e integrantes de outras instituições.
Neste primeiro grupo está Allan dos Santos, editor do site Terça Livre. Ele é considerado um influente participante da rede que promove ataques a desafetos do presidente. São citados também dois assessores do deputado estadual Douglas Garcia (PSL-SP), um dirigente do movimento Nas Ruas e a ativista Sara Winter, que lidera o acampamento criado em Brasília para formar militantes bolsonaristas.
O inquérito também mira possíveis financiadores dessas atividades. Segundo investigadores, esse é considerado um dos pontos-chave do funcionamento dessa rede.
Foram alvos Luciano Hang (dono da rede de lojas Havan), Edgard Corona (CEO das academias Bio Ritmo e Smart Fit) e Otávio Fakhoury (investidor). Este último anunciou que financiaria as manifestações do dia 15 de março, que tiveram ataques ao STF e ao Congresso.
Já os deputados federais e estaduais citados na operação não foram alvos de busca e apreensão. O ministro Alexandre de Moraes, responsável pelo inquérito no Supremo, determinou que eles sejam ouvidos pela Polícia Federal em até 10 dias.
Estão no grupo conhecidos defensores do governo nas redes, como as deputadas federais Bia Kicis (PSL-DF) e Carla Zambelli (PSL-SP).
Outro nome citado é o do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ). Em novembro do ano passado, depois que o STF decidiu contra o cumprimento de penas após condenação em segunda instância, o parlamentar publicou em suas redes: "Se precisar de um cabo, estou a (sic) disposição". A frase era uma referência a uma declaração feita por Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ), em 2018, sobre uma eventual reação de seu grupo político ao Supremo. Filhos do presidente e seus assessores diretos não foram alvos dessa operação.
O inquérito do STF já foi alvo de críticas por ter sido criado sem a participação do Ministério Público e por ter determinado medidas classificadas como censura a veículos de imprensa.
Alvos da operação protestaram contra a execução dos mandados e negaram a divulgação de notícias falsas. O empresário Luciano Hang cobrou a defesa da "liberdade de expressão e de pensamento".
Conheça, a seguir, os alvos da operação desta quarta-feira (27).
Alvos de mandados de busca e apreensão
- Reynaldo Bianchi Júnior, o Rey Bianchi, humorista e ativista
- Roberto Jefferson, ex-deputado e presidente nacional dos PTB
- Paulo Gonçalves Bezerra
- Edgard Corona, empresário, dono da rede de academias Smart Fit
- Otávio Oscar Fakhoury, investidor
- Edson Pires Salomão, chefe de gabinete do deputado estadual Douglas Garcia (PSL-SP) e presidente nacional do Movimento Conservador (ex-Direita SP)
- Marcos Dominguez Bellizia, ativista do Movimento Nas Ruas
- Rafael Moreno, blogueiro
- Rodrigo Barbosa Ribeiro, assessor do deputado estadual Douglas Garcia
- Enzo Leonardo Suzy Momenti, youtuber
- Bernardo Pires Kuster, ativista e youtuber
- Eduardo Fabris Portella
- Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan
- Allan Lopes dos Santos, responsável pelo blog Terça Livre
- Sara Fernanda Giromini, conhecida como Sara Winter, organizadora de acampamento pró-Bolsonaro
- Winston Rodrigues Lima, o Comandante Winston, capitão da reserva da Marinha
- Marcelo Stachin, militante bolsonarista
Parlamentares investigados
Houve determinação para que eles sejam ouvidos em dez dias e para que suas postagens em redes sociais sejam mantidas
- Deputada federal Bia Kicis (PSL-DF)
- Deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP)
- Deputado federal Daniel Lúcio da Silveira (PSL-RJ)
- Deputado federal Filipe Barros (PSL-PR)
- Deputado federal Junio do Amaral (PSL-MG)
- Deputado federal Luiz Phillipe Orleans e Bragança (PSL-SP)
- Deputado estadual Douglas Garcia (PSL-SP)
- Deputado estadual Gil Diniz (PSL-SP)
Polêmicas sobre inquéritos do STF
Em março de 2019, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, abriu inquérito para apurar fake news, ameaças e ofensas caluniosas, difamatórias e injuriosas a ministros da corte e seus familiares. Ele apontou como relator o ministro Alexandre de Moraes
Como a PGR recebeu a medida
A então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, disse que a investigação era inconstitucional, violou o devido processo legal e feriu o sistema acusatório, segundo o qual o órgão que julga não pode ser o mesmo que investiga.
O novo procurador-geral, Augusto Aras, que assumiu em setembro, afirmou não ver nulidade no inquérito e disse ser contra o arquivamento da apuração, como defendeu sua antecessora
Quais alguns dos pontos contestados
Toffoli abriu o inquérito por ato de ofício, sem provocação de outro órgão, o que é incomum. Para os críticos, ele deveria ser encaminhado ao Ministério Público. Além disso, Moraes foi designado para presidir sem que houvesse sorteio ou consulta em plenário
Pelo Código de Processo Penal, o arquivamento de um inquérito passa pela avaliação do juiz (artigo 28). No mesmo sentido, o regimento interno do STF dispõe que é atribuição do relator determinar a abertura ou o arquivamento de um inquérito quando a Procuradoria assim requerer (artigo 21)
Uma ação da Rede questiona a investigação, e o caso deveria ser levado ao plenário do Supremo a pedido do relator, o ministro Edson Fachin. Mas o julgamento não tem prazo para ocorrer
O STF tem desmembrado o inquérito, remetendo pedidos de investigações de casos concretos à Polícia Federal, em uma manobra para colocá-los dentro do rito processual normal e tentar fazer com que tenham prosseguimento em ações na Justiça.