Após o presidente Jair Bolsonaro recomendar o "isolamento vertical" para combater o novo coronavírus, com a reabertura do comércio e de escolas, o governo federal prepara uma campanha publicitária com o slogan "O Brasil Não Pode Parar". No vídeo, a volta ao trabalho é estimulada, contrariando orientações globais sobre o tema.
A peça foi distribuída, em forma de teste, para as redes bolsonaristas. Nela, categorias como a dos autônomos e mesmo a dos profissionais da saúde são mostradas como desejosas de voltar ao regime normal de trabalho. Uma publicação com a hasgtag #OBrasilNãoPodeParar diz que são raros os casos de vítimas fatais do coronavírus entre jovens e adultos e que, por isso, somente idosos e integrantes de grupos de risco devem ficar em casa.
A página da Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom), cujo chefe, Fabio Wajngarten, testou positivo para o vírus, divulgou na quarta (25) a hashtag da campanha. Além disso, o próprio presidente postou em sua conta em rede social o vídeo de uma carreata realizada em Camburiú (SC) contrária ao isolamento social recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela maioria dos governos que lidam com a pandemia.
A ofensiva mostra que Bolsonaro colocou todas suas fichas na hipótese de que a pandemia, que já matou 77 brasileiros desde o primeiro caso registrado há um mês, terá impacto reduzido sobre a saúde pública. Desde a emergência da questão sanitária, o presidente tem sistematicamente negado a gravidade da infecção pelo vírus que causa a covid-19.
Em oposição a Bolsonaro, os 27 governadores de estado se uniram em uma frente pedindo recursos federais e medidas para aliviar o impacto econômico da crise. Os chefes estaduais são liderados não oficialmente por João Doria, o tucano que governa São Paulo, estado mais afetado pela crise. Pelo fato de ser um possível candidato à presidência de 2022, Bolsonaro elegeu Doria como símbolo do que chama de "histeria" em relação à pandemia.
Com efeito, São Paulo é a unidade da federação em que as medidas de isolamento social recomendadas pela OMS estão sendo aplicadas de forma mais rígida, ainda que graduais para tentar evitar um colapso econômico. O estado concentra 40% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Os 46 milhões de paulistas estão sob quarentena desde terça (23), e a medida deve evoluir para o isolamento total da população neste momento de expansão do contágio.
Nesta semana, Doria e Bolsonaro se enfrentaram em uma videoconferência na qual o tucano criticou o pronunciamento do presidente em que ele mostrou desaprovação por medidas como o fechamento de escolas, e recebeu em troca a acusação de estar tentando se promover politicamente.
O fato é que os governadores se alinharam às recomendações da OMS em reunião na quarta (25), que contou com a presença de Rodrigo Maia (DEM-RJ). O presidente da Câmara que tem agido como chefe do Legislativo na crise. Desde então, Maia concedeu duas entrevistas em que criticou o governo e cobrou ação imediata de Bolsonaro para o envio de medidas emergenciais ao Congresso, sob pena de os parlamentares tomarem as mesmas.
Na quinta (26), multiplicaram-se chamamentos virtuais a carreatas em favor da ideia bolsonarista de que o Brasil deveria voltar à atividade, embora as quarentenas ainda sejam restritas a alguns estados, São Paulo à frente. Muitas convocações estão sendo feitas para a segunda (30), véspera do aniversário de 56 anos do golpe militar de 1964, objeto de adoração de Bolsonaro.
A disputa entre Bolsonaro e os Poderes constituídos isolou o presidente. Primeiro foram os atos do dia 15, no qual manifestantes apoiados pessoalmente pelo presidente pediam o fechamento do Congresso e do Supremo, ainda que o titular do Planalto negasse a intenção.
Foi ali que a emergência do coronavírus somou-se à equação da disputa pelo manejo de R$ 30 bilhões do Orçamento, já que Bolsonaro abraçou pessoas mesmo sob orientação de ficar em quarentena devido ao contato com infectados em sua comitiva de uma viagem aos EUA. Nada menos que 25 pessoas que tiveram contato com o presidente se contaminaram até agora.
Depois, Bolsonaro conseguiu galvanizar os governadores contra si e perdeu o apoio de alguns neste meio, como Ronaldo Caiado (DEM-GO), um dos símbolos da antiga direita que estavam ao lado do presidente. Com tudo isso, a peça da Presidência, ainda não chancelada para veiculação, entra como novo pedaço de lenha na fogueira da queda de braço entre Planalto e estados, no qual o Congresso está ao lado dos governadores.
Confira a íntegra da nota da Secom
A Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) informa que, com base em vídeo que circula desde ontem nas redes sociais, alguns veículos de imprensa publicaram, de forma equivocada e sem antes consultar a Secom sobre a veracidade da informação, que se tratava de nova campanha institucional do Governo Federal.
Trata-se de vídeo produzido em caráter experimental, portanto, a custo zero e sem avaliação e aprovação da Secom. A peça seria proposta inicial para possível uso nas redes sociais, que teria que passar pelo crivo do Governo. Não chegou a ser aprovada e tampouco veiculada em qualquer canal oficial do Governo Federal.
Cabe destacar, para não restar dúvidas, que não há qualquer campanha do Governo Federal com a mensagem do vídeo sendo veiculada por enquanto, e, portanto, não houve qualquer gasto ou custo neste sentido.
Também se deve registrar que a divulgação de valores de contratos firmados pela Secom e sua vinculação para a alegada campanha não encontra respaldo nos fatos. Mesmo assim, foram alardeados pelos mesmos órgãos de imprensa, que não os checaram e nem confirmaram as informações, agindo, portanto, de maneira irresponsável.
Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República