
Ao contrariar recomendações médicas e regras de isolamento adotadas em pelo menos 157 países, no mais beligerante pronunciamento desde o início da pandemia da covid-19, o presidente Jair Bolsonaro provocou uma onda de reação das mais altas autoridades da República e ampliou seu isolamento político.
Numa ação inédita, governadores se reuniram nesta quarta-feira (25) para rechaçar o comportamento do presidente e reafirmar as medidas de emergência sanitária e distanciamento na tentativa de frear a proliferação da doença.
O coro de repúdio uniu ainda parlamentares, presidentes da Câmara e do Senado, prefeitos e integrantes da cúpula do Judiciário. O desconforto se espalhou até mesmo pelo Palácio do Planalto, com auxiliares lamentando em conversas reservadas a postura do chefe. A 200 quilômetros dali, em Goiânia, houve a ruptura política mais significativa.
Único aliado remanescente de Bolsonaro entre os gestores estaduais, o governador Ronaldo Caiado (DEM-GO) anunciou que a partir de agora só dialoga com o presidente por meio de “comunicados oficiais”.
— Fui aliado de primeira hora, durante todo o tempo. Mas não posso admitir que venha agora um presidente lavar as mãos e responsabilizar outras pessoas por eventual colapso. Dizer que isso é um resfriadinho, uma gripezinha? Ninguém definiu melhor que Obama: na política e na vida, a ignorância não é uma virtude — disparou o médico e responsável pela indicação do correligionário Luiz Henrique Mandetta ao Ministério da Saúde.
Caiado havia participado na manhã de terça de reunião virtual com Bolsonaro e em nenhum momento se discutiu eventual afrouxamento das medidas de segurança. À noite, no rádio e na TV, o presidente tentou responsabilizar governadores e prefeitos pelo inevitável abalo na economia causado pela paralisia.
Roteiro
O discurso foi gestado à tarde, sob influência do chamado “gabinete do ódio” — grupo ideológico que atua no Planalto sob comando de Carlos Bolsonaro. A repercussão foi imediata. Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) condenou o teor do pronunciamento e disse que o país precisa de “uma liderança séria, responsável e comprometida com a saúde da população”. Aos poucos, o repúdio cresceu. Posição semelhante tomou a Frente Nacional dos Prefeitos (FNP). Em nota, a entidade que reúne os administradores das maiores cidades do país afirmou que Bolsonaro semeia a discórdia e a convulsão social ao adotar “postura irresponsável e sem embasamento científico”.
— O que ele faz é algo inadmissível — classificou o presidente da FNP e prefeito de Campinhas (SP), Jonas Donizette.
A Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), em nota, reforçou que a fala do presidente pode gerar a “falsa impressão à população” de que medidas de isolamento são inadequadas. A entidade reforçou que a epidemia é “grave” e que incentivar as pessoas a ficarem em casa é a “resposta mais adequada para a maioria das cidades brasileiras”.
O Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers) pronunciou-se no início da tarde. A entidade defendeu que “o trabalho sério e dedicado de toda uma rede nacional e mundial de médicos, cientistas e desenvolvedores de tecnologias em saúde deve ser levado em consideração no planejamento de estratégias”.
A nota acrescenta que “de nenhuma forma, esses profissionais ensejam o pânico, mas, sim, medidas necessárias para evitar a progressão descontrolada da doença”.
A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) definiu como “incoerente” e “criminosa” a fala de Bolsonaro. O texto também foi assinado pela Associação Brasileira de Economia da Saúde, pela Associação Brasileira da Rede Unida, pela Associação Brasileira de Enfermagem, pela Associação Paulista de Medicina, pela Sociedade Brasileira de Bioética e pelo Centro Brasileiro de Estudos da Saúde.
Defesa
Houve também apoio à fala do presidente. Secretária de Cultura no governo Bolsonaro, a atriz Regina Duarte publicou, ontem, postagem no Instagram em que endossa o pronunciamento televisivo na noite da terça-feira.
“Para quem não entendeu a visão de Bolsonaro, ele está certíssimo”, diz a imagem. Ao centro, está uma fotografia do presidente com frase do discurso: “Não podemos extrapolar a dose porque com o desemprego a catástrofe será maior.” Apesar do apoio, demais postagens de Regina indicam que ela tem se submetido ao isolamento – aos 73 anos, ela se enquadra no grupo de risco.
Na noite desta quarta, o presidente voltou a defender o seu discurso no Twitter.
Algumas frases
Neste momento grave, o país precisa de liderança séria, responsável e comprometida com a vida e a saúde da sua população. Consideramos grave a posição externada pelo presidente, em cadeia nacional, de ataque.
Venho pedindo sensatez, equilíbrio e união. O pronunciamento foi equivocado ao atacar a imprensa, os governadores e especialistas em saúde pública.
O presidente repetiu opiniões desastradas. O momento é grave, não cabe politizar, opor-se aos infectologistas passa dos limites. Se não calar, estará preparando o fim.
Temos alertas da OMS e da ONU que estamos em situação extremamente grave. Qualquer orientação contrária é irresponsável e pode colocar em risco a saúde e a vida de milhares de pessoas.
Excelente pronunciamento do nosso presidente! A sua visão de estadista e a sua coragem em ir na contramão da histeria coletiva, construída sem critérios racionais, vão salvar as vidas de milhões de brasileiros.
Precisamos de abordagem cirúrgica. adotando isolamento vertical e retomando as atividades econômicas. A Federasul defende que haja plano para retomada das atividades a partir da primeira semana de abril.