Disposto a terceirizar o desgaste de uma recessão que se avizinha, Jair Bolsonaro não pretende recuar na estratégia de confrontar prefeitos, governadores e o Congresso Nacional. Ao ignorar orientações de seus próprios ministros e insistir na retomada da atividade econômica mesmo sob ameaça de agravamento da pandemia, o presidente criou uma bolha de isolamento que afasta inclusive assessores próximos.
A hostilidade exibida no pronunciamento de terça-feira (24), quando usou cadeia nacional de rádio e TV para chamar a covid-19 de “resfriadinho” e pedir que a população volte às ruas, surpreendeu boa parte da equipe que frequenta o gabinete presidencial. Desde então, alguns ministros com assento no Palácio do Planalto têm evitado contrariar Bolsonaro.
Com o presidente reduzindo o núcleo decisório cada vez mais, sob forte influência dos filhos e da ala extremista radicada no chamado “gabinete do ódio”, poucos ousam adotar ações por iniciativa própria.
O medo de ser desautorizado publicamente gera paralisia em um pedaço da Esplanada. A exceção mais visível reside nos ministros da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e da Economia, Paulo Guedes. Na linha de frente das ações governamentais, ambos comandam dezenas de reuniões diárias estudando medidas de dirimir os efeitos sanitários e econômicos da doença.
Nem assim escapam da ira presidencial. Guedes foi obrigado a desistir do mecanismo que permitia suspensão dos contratos de trabalho por quatro meses. O objetivo era socorrer as empresas e evitar demissões, mas Bolsonaro ordenou retirar “isso daí porque eu estou apanhando muito”. A nova proposta prevê no máximo dois meses sem salários.
Já Mandetta teve de flexibilizar os insistentes pedidos por isolamento social. Após vários dias orientando a população a ficar em casa, o ministro recalibrou o discurso sem deixar de pedir distanciamento entre as pessoas. A dessintonia chegou a provocar um receio generalizado de que o ministro pedisse demissão, mas ele garantiu que permanece no cargo.
Diante da falta de autonomia ministerial, o Congresso ganha protagonismo. Nesta quinta-feira (26), sem qualquer negociação com o Planalto, os deputados planejavam aumentar de R$ 200 para R$ 500 o auxílio proposto pelo governo aos trabalhadores informais. A ação é mais um reflexo das falhas na interlocução.
O líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), é sumariamente ignorado pelos colegas. Responsável pela articulação política, o ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, mantém boa relação com praticamente todos os líderes partidários, mas tem cada vez menos influência sobre os rumos das votações.
Nos últimos dias, ele ampliou as conversas com os partidos e bancadas temáticas, mas a desconfiança alcançou até mesmo os ruralistas, um dos grupos até então mais fiéis a Bolsonaro e cujas demandas são apresentadas diretamente à ministra da Agricultura, Tereza Cristina.
Com a maioria dos parlamentares fora de Brasília e as duas Casas operando de forma remota, não há sequer expectativa de apreciação das reformas tributária e administrativa. Apontadas inicialmente por Guedes como única solução aos danos econômicos causados pela pandemia, as mudanças estão congeladas e crescem as chances de só voltarem a ser discutidas em 2021.