A aposentadoria não retirou a solenidade de Pedro Simon. Em trajes sociais e auxiliado por uma bengala, ele recebeu GaúchaZH em sua tradicional residência em Rainha do Mar, palco de incontáveis encontros políticos de veraneio. Aos 90 anos, fala com entusiasmo e lucidez e estoura em indignação ao comentar a dívida do Estado com a União.
Como foi o ingresso no PTB na década de 1950?
Tive atividade estudantil intensa no Colégio Rosário e no Direito da PUCRS. Isso me deu boa projeção. E um fato mexeu com a minha vida: o Pasqualini (Alberto, ex-senador pelo PTB) nos adotou, toda semana ele se reunia com os jovens. Ele debatia, analisava o Brasil. Me empolguei. Se você perguntar qual influência tive na vida, eu respondo: Pasqualini. Vida ética? Pasqualini. Na economia? Pasqualini. Isso me levou ao PTB.
O senhor sempre foi oposição ao regime militar, mas não foi preso, cassado ou exilado. Por quê?
Com as divergências, fiquei distante do Brizola (Leonel), que entrou na tese do movimento armado. Fui contra. O MDB era resistência, mas a gente não aceitava sequestro de embaixador para trocar por preso. Na época, o Brizola também fez campanha pelo voto em branco. Em 1970, o voto em branco quase reduziu o MDB a zero, ficamos com 7 senadores só. Fiquei sabendo, muito tempo depois, por um homem que foi meu colega em Caxias, que o meu nome estava para ser cassado. E aí o sogro desse meu ex-colega, o senador Daniel Krieger, que foi presidente da Arena, teria dito: "Conheço esse rapaz, ele coordena a oposição no Rio Grande do Sul, e a militância só não está na linha do Brizola por causa dele. Se ele cair fora, vai ficar sem ninguém, só com o Brizola de referência." A minha forma de fazer oposição me orgulha muito. Nas horas mais dramáticas, o MDB gaúcho se fez presente. Nós fizemos história.
O senhor acredita que a pavimentação da Estrada do Mar foi o principal ato do seu governo no RS?
O mais marcante foi termos feito 2,2 mil quilômetros de estrada asfaltada. Fizemos mais do que tinha em todo o Estado naquela época. A Estrada do Mar fizemos em um ano. Tem outras coisas: criamos a Casa de Cultura Mário Quintana, a Secretaria de Ciência e Tecnologia. Era espetacular, começamos a falar de coisas que não se falava aqui. Lançamos a tese do Mercosul e, até por isso, criamos a Secretaria Internacional.
A greve do magistério, que durou mais de 90 dias, foi o momento mais difícil do seu governo?
O início do meu governo foi cruel. O Jair Soares (governador que antecedeu Simon) me procurou. Eu era ministro da Agricultura. Ele disse que brigou contra, mas não houve jeito, a Assembleia votou aumento salarial que não tinha como pagar. E eu, burrice a parte, não fiz tanta coisa quanto deveria fazer. Não estava por dentro. Eu estava em outro ambiente, falando em reforma agrária. Não paguei e a greve estourou. Quando fui candidato a governador na segunda vez (foi eleito em 1986 e assumiu em 1987), nem pensava no cargo. Minha mulher e meu filho tinham morrido. Estava no chão, fiquei meses sem sair de casa. Me fizeram candidato sem eu saber. Aí me atirei e fiz campanha de entendimento, eu queria abrir as portas como governador para juntos conversarmos. Que nada. Partiram para oposição radical. O PT naquele ano elegeu quatro deputados. Paguei esse preço, vieram para cima de mim numa guerra, foi um troço dramático.
Por falar em Jair Soares, o senhor acha que perdeu legitimamente para ele as eleições de 1982 ao Piratini?
O Jair Soares não tem nada com isso, é um belo companheiro. Tenho certeza que ganhei a eleição de 1982, mas tínhamos o governo federal com as decisões diabólicas que tomava. No dia da votação, uma montanha de voto rasgado. No Rio de Janeiro, foi diferente. O Brizola denunciou antes que iriam fazer isso. Ele ficou sabendo antes. Aliás, essa foi uma das maldades. O embaixador da Alemanha avisou o Brizola, e era preciso avisar o candidato a governador no RS. O Brizola disse ao embaixador: ‘Deixa que eu falo com ele’. Ele nunca me falou que iriam mexer aqui na eleição.
Tenho certeza que ganhei a eleição de 1982, mas tínhamos o governo federal com as decisões diabólicas que tomava. No dia da votação, uma montanha de voto rasgado.
Sua trajetória é marcada pela veia parlamentar. Quando se tornou governador, acabou perdendo a Constituinte Nacional, em 1988. O senhor sente frustração por isso?
Aquilo foi histórico. Gostaria de ter participado. Aos sábados, sempre viajava para Brasília. Domingo era o dia que o doutor Ulysses (Guimarães, presidente da Constituinte) reunia para debater. Eu ia lá e dava meus palpites. Se não fizesse isso, morria de tédio.
Existem relatos de que, na eleição presidencial de 1989, quando a candidatura de Ulysses não decolava, surgiram movimentos para o senhor substituir ele como candidato. Como foi?
O doutor Ulysses era um herói. Só tinha um problema: ele era presidente do partido, presidente da Câmara, presidente da Constituinte e candidato a presidente da República. O problema dele era uma coisa cerebral, teve momentos em que a depressão piorou. Veio a campanha e ele queria ser candidato. Nós reunimos os governadores do MDB e todos acharam que ele não poderia ser o candidato. Não tinha mais condições. E os governadores disseram: é o Simon o candidato. O problema era na hora de falar com o Ulysses. Quem vai falar? Disseram: "O Simon, que é amigo íntimo dele". Aí fui falar, mas a conversa foi dura. Nem cheguei a falar da minha candidatura, apenas comentei de ele não ser candidato. Ele ficou uma fera. E foi candidato. Se tivéssemos outro, tenho certeza de que a gente ganhava aquela eleição para presidente.
Se o senhor fosse o candidato, o MDB ganharia a eleição de 1989, é isso?
Não digo que fosse eu. Mas, se não fosse o Ulysses, iríamos conversar com o PSDB. Fosse candidato plausível de ganhar, o Covas (Mario) e o PSDB viriam com a gente. Outros teriam feito o mesmo.
Dos presidentes pós-redemocratização, qual foi o melhor?
Itamar (Franco). Ele criou uma comissão para cuidar de todos os casos de corrupção. No ministério do Itamar, ninguém entrou por troca-troca. Ele criou o Plano Real debatendo e analisando com o Congresso. O FHC era ministro (da Fazenda) e eu era líder do governo no Senado. O Itamar não deu um copo d'água para ninguém na votação do Plano Real. A imprensa estava com liberdade total. Coitado do Itamar. Apareceu ele na capa com a bailarina sem calcinha. Fizeram um carnaval. Uma vez ele tirou da gaveta um jornal e me mostrou, era o FHC e um homossexual famoso se beijando. O Itamar disse: "Se sou eu, é uma bicha beijando a outra. Como é o FHC, olha que bacana". Teria tanta coisa para falar do Itamar. Aqui no RS, conseguimos duplicar a Refap (Refinaria Alberto Pasqualini) com ele.
Há quem considere o senhor e o Brizola adversários ou inimigos históricos. Como define a relação com ele?
Tivemos divergências. Entendo o Brizola, desde a mocidade foi aguerrido, mas achava que ele deveria ter usado toda essa energia em causas nossas, no sentido de nos unirmos para derrubar o governo. Fui buscar o Brizola no estrangeiro (volta do exílio), fui com ele até São Borja. A gente queria se entender, mas já de cara, na descida do avião, o Brizola começou a chamar os deputados para irem para o partido dele. Ele nem discutiu isso comigo. Se eu pensasse em mim, minha vida teria sido diferente.
Ulysses morreu. Tancredo morreu. Teotônio morreu. Ficaram Renan, Sarney, Jucá, Jader. Dá pena, né? Eu só não morri. Realmente, toda aquela nossa turma desapareceu.
O surgimento do PSDB tirou quadros importantes do MDB e, em 1992, morreu Ulysses. Havia expectativa de que o senhor assumiria a liderança nacional, mas o partido foi tomado por oligarquias e interesses regionais. O senhor passou a ser excluído em um partido sem projeto. Nem presidente do Senado lhe deixaram ser...
Um grupo fechado dominou o PMDB e o Senado. Ulysses morreu. Tancredo morreu. Teotônio (Vilela, senador) morreu. Ficaram Renan (Calheiros), Sarney (José), Jucá (Romero), Jader (Barbalho). Dá pena, né? Eu só não morri. Realmente, toda aquela nossa turma desapareceu.
Quando esses grupos tomaram o partido, o senhor não pensou em deixar o PMDB?
Pensei muitas vezes. Mas, sinceramente, não encontrei nem ambiente em outros lugares. Aí tu vais cobrar de mim? E os outros? Não tem ninguém para fazer isso? Tu cobras de mim, e tu tens razão. O Simon não fez? Mas ninguém tentou fazer. E hoje o problema mais sério que nós temos é a Lava-Jato. Temos duas brigas: uma é deixar como está e a outra é levar adiante. Está ganhando o lado de deixar tudo como está. A decisão do STF de voltar atrás sobre a prisão em segunda instância é um absurdo.
Qual a sua avaliação sobre os vazamentos de mensagens da Lava-Jato?
Acho piada. O Moro (Sergio) fez alguma vigarice? Não. Até pode ter havido algum exagero aqui ou acolá. Agora vem juiz de garantia, lei de abuso de autoridade, tudo por causa da Lava-Jato.
O senhor acredita que eventuais excessos da Lava-Jato são um mal menor?
Não houve esquema para demolir o PT. Atingiu todo mundo. Olha o que fizeram com o Temer (Michel). O PSDB teve problemas, o PP e companhia também. Um monte de gente. E esses empresários que devem estão se movimentando para acabar com tudo. Moro é um cara sério. Apareceu a proposta de ser ministro, o presidente disse que ele teria liberdade para ser ministro da Justiça e da Segurança. Aí pegaram o filho do presidente (Flávio Bolsonaro), o pacote anticrime foi modificado. Há um movimento geral contra o Moro.
Movimento geral inclusive do governo Bolsonaro?
Se tu fores ver nessas assembleias, o que tem de mistura de deputado com funcionário é um negócio incrível. Na assembleia do Rio, são 40 deputados. Só tem um sendo investigado, o filho do presidente. Alguma dúvida de que isso ocorre por ser o filho dele? Eu não sou contra investigar, mas isso foi feito para amarrar o presidente. Se é um filho meu, não sei o que eu faria. E o presidente perdeu aquilo que ele garantiu que daria ao Moro.
Moro se precipitou em aceitar ser ministro agora?
Acho que não. Com sinceridade, acho que ele teve boa intenção. Pode ser que tenha tido um pouco de vaidade, mas o objetivo era correto.