Pedro Simon, líder histórico do MDB gaúcho, que completa 90 anos nesta sexta-feira (31), teve um dos momentos marcantes de sua trajetória quando foi governador do Rio Grande do Sul. Logo no primeiro ano de mandato, uma paulada forte: o magistério entrou em greve por mais de 90 dias devido ao não pagamento de um aumento salarial deixado pelo antecessor Jair Soares (PP). O próprio Simon define o início da sua gestão como “cruel”. Quem viveu aquele período, garante que foi uma “guerra”.
– Os primeiros meses foram muito difíceis. A vitória do Simon gerou expectativa de que tudo se resolveria, a oposição não governava há mais de 20 anos, e surgiram demandas brutais. Isso se materializou na greve do magistério. Vincularam o piso dos professores a dois salários mínimos e meio. Era impagável e inconstitucional, tanto que o STF contemplou essa tese – diz Cezar Schirmer, que foi chefe da Casa Civil e secretário da Fazenda daquele governo.
A interminável greve deixou sequelas nas relações políticas do Estado. Aos poucos, o governo buscou aparar arestas para seguir adiante.
– Houve toda aquela guerra com o magistério e a relação com a imprensa não estava boa também. Convencemos o Simon a receber os veículos no Galpão Crioulo do Palácio Piratini, falamos com a Associação Gaúcha de Rádio e Televisão (Agert), e a ideia era fazer uma janta, conversar e diminuir as diferenças. O Simon disse: ‘Tudo bem, mas só se eles trouxerem a comida’. Ele era rígido com o dinheiro público. E era extremamente pão duro – conta João Carlos Bona Garcia, subchefe da Casa Civil e de Assuntos para o Interior do governo Simon.
As faces positivas do primeiro governo do MDB no Rio Grande do Sul viriam mais adiante. Houve avanços em infraestrutura rodoviária, com obras lideradas pelo Daer, como a pavimentação da Estrada do Mar. Um legado histórico foi deixado com a construção e inauguração da Casa de Cultura Mario Quintana (CCMQ), uma das maiores referências do Estado. Simon, aliás, gosta do tema da cultura. Recorda que, na sua gestão, o governo federal havia construído o novo prédio dos Correios no Centro de Porto Alegre. Com isso, o imóvel anterior da estatal, na Praça da Alfândega, fora colocado à venda.
– Ninguém se dá conta disso, mas fui falar com o Antônio Carlos Magalhães, que era ministro (das Comunicações). E convenci ele, aquele baita prédio espetacular foi passado para nós. Hoje funciona lá o Memorial do Rio Grande do Sul. E olha que o Antônio Carlos era meu inimigo – diz Simon.
Meses antes do fim do seu governo, ele deixou o cargo para concorrer ao Senado. Eleito novamente, voltou para o palco político em que se sentiu mais à vontade ao longo da vida. Seriam três mandatos consecutivos na casa legislativa, entre 1991 e 2015, período em que foi nacionalmente reconhecido pelo discurso contra a corrupção.
Racha com o MDB Nacional
No início dos anos 90, com a morte de Ulysses Guimarães, havia expectativa de que Simon pudesse herdar o comando das tradições democráticas do velho MDB, liderando um projeto nacional e, quem sabe, concorrendo à Presidência da República. Antes do falecimento de Ulysses, em outubro de 1992, o MDB já havia perdido quadros como Mario Covas e Fernando Henrique Cardoso, fundadores do PSDB ainda em 1988.
O caminho até parecia aberto para Simon, mas a legenda foi tomada por oligarquias e grupos de interesses regionais. O partido deixou de ter projeto de nação e candidato ao Palácio do Planalto. O único foco era dominar o Congresso, sobretudo o Senado, para fazer barganha e abocanhar generosas fatias do poder. Simon passou mais de duas décadas sendo marginalizado pelo comando nacional do PMDB.
– Ele sempre teve vontade de ser presidente do Senado. Mas, pelas posições que tomava e pelo combate à corrupção, jamais o deixaram ser. Dentro do seu próprio partido, nunca conseguiu apoio para presidir o Senado ou ser candidato a presidente – avalia Bona Garcia.
O ex-senador e ex-prefeito José Fogaça diz que “a corrente política que Simon representava dentro do PMDB não tinha vez, era sempre jogada ao porão”.
Cizânia no âmbito estadual
O isolamento de Simon na seara nacional foi combustível da maior cizânia do MDB gaúcho sob o seu comando. Grupos de dissidência contra a direção nacional se formaram no final dos anos 1990, liderados por nomes como o ex-governador Antônio Britto. Mas havia ingrediente extra: Britto e Simon entraram em atrito por conta da hegemonia no comando estadual da sigla.
Nas eleições partidárias de 2001, Paulo Odone era o candidato de Britto. E Schirmer havia sido escalado por Simon para tentar frear o ímpeto de dissidentes e acalmar os ânimos. O ex-ministro Eliseu Padilha, fiel ao MDB nacional, apoiou Schirmer. O candidato de Simon ganhou, causando debandada do PMDB rumo ao PPS, liderada por Britto.
— Aquele foi o pior momento da liderança dele (Simon). No dia da eleição, colocaram uma publicidade na capa dos jornais. Dizia: ‘sou PMDB, voto Schirmer. Assinado: Pedro Simon’. Então,Odone não era PMDB? Isso me marcou para o resto da vida, foi horrível aquela rasteira. Simon jura que não teve participação naquilo. Acho que tinha o comando do Padilha. Olhando hoje, todos deveríamos ter feito esforço de unidade, mas as coisas não são como a gente quer – lamenta Odone, que nunca mais regressou ao MDB .
Apesar disso, o partido viria a ganhar a eleição ao Palácio Piratini em 2002 com Germano Rigotto, em campanha “paz e amor” que fez jus à cartilha de Simon.
Costuras políticas
Durante os governos do PT, Pedro Simon manteve a moderação: buscava conversar e costurar políticas com adversários, sem abrir mão da crítica e da independência, mantendo o discurso anticorrupção como ponta de lança. No período, foi um dos principais defensores da lei da Ficha Limpa.
Em 2010, Dilma Rousseff foi a primeira mulher eleita presidente, tendo como vice Michel Temer, cacique do MDB. Simon, outra vez, contrariou a direção nacional, rejeitou a dobradinha Dilma-Temer, e se aproximou de Marina Silva, a quem apoiou nas eleições de 2010 e 2014. O senador ainda ajudou Marina a coletar assinaturas para a criação da Rede. Uma amizade entre eles se formou, a despeito de raízes distintas.