Após três meses de intensas negociações, com os corredores da Assembleia Legislativa tomados por servidores e, em plenário, a maior base governista já formada desde a redemocratização, os deputados começam nesta terça-feira (28) a apreciação da maior e mais abrangente reforma do funcionalismo estadual. Apresentado em outubro pelo governador Eduardo Leite, o pacote mexe em cânones dos servidores, como o plano de carreira do magistério e as regras de aposentadoria.
O conjunto de mudanças estava previsto para marcar o final do primeiro ano de gestão de Leite. Todavia, apenas uma das oito matérias foi votada, e aprovada, em dezembro: a criação de alíquotas previdenciárias progressivas aos servidores civis. Diante da resistência das corporações e da profundidade da reforma, os parlamentares pediram mais tempo para estudar as propostas.
O governo assentiu e passou as três primeiras semanas de janeiro em reuniões, sobretudo para estudar o impacto fiscal das flexibilizações reivindicadas pela base. Nessas negociações, os servidores conseguiram manter algumas conquistas, e o Piratini melhorou a margem de votos em plenário. A economia inicial caiu dos R$ 25,4 bilhões projetados em 10 anos para R$ 19 bilhões, mas a expectativa agora é de uma vitória total do governo, com a aprovação de todos os projetos.
— Estamos otimistas. O governo foi sensível, ouviu a base e ainda está estudando os pedidos. Vamos dando um passo de cada vez — avalia o líder do governo na Assembleia, Frederico Antunes (PP).
Os deputados retomaram os trabalhos nesta segunda-feira (27), com a votação do requerimento que autoriza a convocação extraordinária. A partir de terça, começa a análise dos projetos, em sessões que devem invadir madrugadas. O primeiro item da pauta é a proposta de emenda à Constituição (PEC) que extingue vantagens, flexibiliza jornada, salários, diárias e torna mais rígidas as normas para concessão de aposentadoria.
— Essa PEC modifica 10 artigos da Carta Magna. Tem contornos de crueldade com os servidores, pois tira direitos conquistados, as consequências são nefastas — protestou o deputado Jeferson Fernandes (PT).
Servidores terão livre acesso à Assembleia
Diferente de outros pacotes polêmicos, em que a direção da Assembleia vetou o ingresso de manifestantes ou limitou o acesso, desta vez o presidente Luis Augusto Lara franqueou corredores e demais dependências, além de mandar instalar telões na fachada para que os servidores acampados na Praça da Matriz possam assistir às votações.
Na sessão desta segunda-feira (27), os deputados sentiram uma amostra da pressão a que serão submetidos no decorrer da semana. Com narizes de palhaços, cartazes, apitos e sinetas, os servidores tomaram o saguão na entrada do plenário. Entoando palavras de ordem contra o governador, como “Leite mente”, e pedindo a retirada dos projetos, eles formaram uma espécie de corredor polonês pelo qual os parlamentares eram obrigados a passar antes de ingressar no salão Júlio de Castilhos.
No plenário, o governo seguia negociando. Embora o governador tenha dito pela manhã que não havia margem para novas concessões, Antunes apostava na apresentação de emendas para facilitar a aprovação dos projetos. No início da tarde desta segunda, já circulava entre os coordenadores das bancadas da base uma emenda à PEC da Previdência que, entre outras alterações, criava regras de transição na extinção das vantagens temporais, como triênios e quinquênios.
Considerado o projeto-mãe da reforma, a PEC será o primeiro texto a ser colocado em votação e é o que exige mais votos favoráveis: 33. As maiores resistências, contudo, estão concentradas no plano de carreira do magistério e nas alíquotas de previdência dos militares.
Apoio do MDB
Com oito cadeiras, o MDB é o maior aliado do Piratini na Casa e também o maior empecilho à aprovação tranquila das duas matérias. No projeto dos militares, o partido fechou questão e vai votar unido com a oposição. No magistério, ainda há espaço para novas conversas.
— Estamos dialogando. Acho que vamos encontrar um caminho — projetava o deputado Gabriel Souza (MDB), que passou o final de semana em contato com o núcleo do Piratini.
A ala rebelde do MDB é liderada por três deputados: Sebastião Melo, Edson Brum e Gilberto Capoani e Vilmar Zanchin. Caso haja uma divisão na bancada, o Piratini sonha em contar com os votos de pelo menos Gabriel, Carlos Búrigo e o líder, Fábio Branco, argumentando que todos ocuparam cargos de destaque no governo José Ivo Sartori e, em tese, teriam maior compreensão da crise fiscal do Estado.
Apesar do esforço em conquistar o voto alheio, o governo não conseguiu sequer assegurar a assiduidade dos deputados do partido do governador. A defecção foi registrada na noite de domingo (26). Ao telefonar para os líderes partidários para se certificar que estava tudo pronto par as votações, Frederico Antunes foi informado que Pedro Pereira (PSDB) estava de férias em um cruzeiro pelo Nordeste com a esposa.
— Ele está hoje (domingo) em Fortaleza — informou o líder do PSDB, Mateus Wesp.
— E não volta? — questionou Antunes.
— Não.
— Para nenhum projeto? — insistiu Antunes, reforçando que as votações se estendem pelo menos até quinta-feira.
— Não, só semana que vem — respondeu o tucano, para desalento do governo.