Vários pontos do plano de governo apresentado durante a campanha eleitoral por Jair Bolsonaro foram abandonados, desidratados ou encontram dificuldade de execução após este primeiro de seus quatro anos de mandato. A lista inclui promessa de expansão de programas sociais, macroeconomia, saúde, educação e questões mais específicas, como a ideia de incluir o nome de policiais mortos em serviço no livro de aço do Panteão da Pátria.
O plano de Bolsonaro para o mandato de quatro anos, de 81 páginas, foi protocolado na Justiça Eleitoral em cumprimento à exigência de que os candidatos tornem públicas suas propostas. Não há nenhuma obrigação legal de cumprimento.
Em um ano, o presidente conseguiu avançar em proposições econômicas e administrativas, mas caminhou a passos lentos, ou até mesmo abandonou compromissos de intolerância com a corrupção e melhora da educação básica. O texto, por exemplo, ressalta que haveria tolerância zero com a corrupção e que investigações não seriam atrapalhadas ou barradas por interferências políticas.
No período, no entanto, o presidente criticou o superintendente da Polícia Federal do Rio de Janeiro e anunciou a sua troca, atropelando a corporação. Ele ainda apoiou ação da defesa do seu primogênito, o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), que resultou em decisão liminar que congelou por quase cinco meses ao menos 935 investigações e ações penais em todo o país.
Bolsonaro se vê às voltas com as apurações do Ministério Público do Rio sobre o caso de Fabrício Queiroz, amigo de longa data, suspeito de operar esquema de rachadinhas – repasse, por parte de um servidor público ou prestador de serviços da administração, de parte de sua remuneração a políticos e assessores – no gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio.
As últimas declarações do presidente sobre o assunto apontam uma suposta perseguição política comandada pelo governador carioca, Wilson Witzel (PSC).
Além disso, Bolsonaro também mantém como ministro do Turismo Marcelo Álvaro Antonio, indiciado e denunciado sob acusação de comandar esquema de candidaturas laranjas no PSL de Minas Gerais.
Recuo na área social
O documento prometia instituir uma renda mínima para todas as famílias brasileiras. "Nossa meta é garantir, a cada brasileiro, uma renda igual ou superior ao que é atualmente pago pelo Bolsa Família." Não há sinal de que o governo tenha intenção de colocar essa medida de pé.
Por problemas orçamentários, o governo passou a controlar a entrada de novos beneficiários no Bolsa Família: a fila de espera para receber o pagamento supera a marca de 700 mil famílias e a cobertura do programa vem recuando mês a mês, atingindo em dezembro a menor marca do ano – 13,1 milhões.
Quando questionado, o Ministério da Cidadania não quis se manifestar.
Segurança pública
Números consolidados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública mostram redução da criminalidade no país. Os dados, entretanto, já apontavam uma queda em 2018, antes da atual gestão. A segurança pública é, por lei, de responsabilidade majoritária dos estados.
Em resposta aos questionamentos da reportagem, o Ministério da Justiça enviou links com informações sobre os projetos estratégicos e balanço da pasta. De acordo com esses dados, com o repasse de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública aos Estados, em cinco meses foram criadas no país 29 delegacias de Polícia Civil dedicadas exclusivamente ao combate à corrupção.
Informatização da saúde
O plano de Bolsonaro prometia informatização do atendimento dos pacientes. Em novembro, o Ministério da Saúde lançou um programa-piloto em Alagoas para implantação até 2020 naquele estado.
O Ministério da Saúde, por sua vez, afirmou que, em março, os resultados do projeto-piloto em Alagoas serão analisados para expansão no país. "Quando finalizada a implementação do Conecte SUS, o cidadão terá acesso às suas informações por meio do celular, computador ou tablet, utilizando apenas o CPF."
Escassez de políticas e cortes na educação
A educação foi uma área conturbada neste primeiro ano de governo, com vários problemas de gestão e foco no embate ideológico. O primeiro ministro nomeado pelo presidente foi demitido, e o atual, Abraham Weintraub, está sob ameaça de perder o posto - a possibilidade é negada publicamente por Bolsonaro. O plano do presidente falava em priorizar a educação básica, mas não houve ação efetiva nesse sentido.
Quando questionado, o Ministério da Educação não quis se manifestar ao ser questionado.
Poucos avanços na economia
A principal promessa era a Reforma da Previdência, ação cumprida já neste primeiro ano, mas sob protagonismo do Congresso e sem a proposta de capitalização defendida pelo ministro da Economia Paulo Guedes.
O texto falava ainda em reduzir em 20% o volume da dívida por meio de privatizações – projeção mais recente do governo aponta leve alta–, baixar a inflação e gerar emprego – os números mais atuais são favoráveis ao governo – e prometia implementar uma forte política liberal. Guedes tem seguido essa linha, mas as tentativas encontram resistência do Congresso. Algumas ficaram pelo caminho ou foram desidratadas.
A proposta econômica de Bolsonaro também previa déficit zero neste ano e superávit em 2020, promessa que está longe de ser cumprida. Neste ano, o saldo negativo das contas públicas deve ficar entre R$ 60 bilhões e R$ 80 bilhões. No ano que vem, a previsão de rombo é de R$ 124 bilhões.
Ainda em prazo de votação, a MP do Emprego Verde e Amarelo pode não ser convertida em lei. O texto trata de promessa feita ainda durante a campanha de criar regras trabalhistas diferenciadas para trabalhadores mais jovens, que estejam ingressando no mercado de trabalho. Criticada por perda de direitos, a medida pode ser devolvida pelo Legislativo ao Planalto, que já aceita mudar o texto enviado ao Legislativo.
Em resposta, o Ministério da Economia afirmou que a alteração pelo Congresso de propostas encaminhadas pelo governo é natural. A pasta afirmou ainda que o Emprego Verde e Amarelo "servirá de modelo para medidas relacionadas com a desoneração da folha de pagamentos".
Metas não foram alcançadas
O presidente também terminou seu primeiro ano sem conseguir concluir todas as metas estipuladas pelo seu próprio governo para os primeiros cem dias de mandato. Na lista de promessas, por exemplo, havia a independência do Banco Central. O projeto foi enviado ao Poder Legislativo, mas não foi votado. O documento elencava ainda a reestruturação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e a redução de tarifas do Mercosul. As mudanças no conglomerado de comunicação ainda não foram concluídas. Já a redução da tarifa ainda está em negociação com Paraguai, Uruguai e Argentina.