O presidente Jair Bolsonaro disse nesta quarta-feira (4) que pode reapresentar no próximo ano a medida provisória que desobrigava empresas de publicarem suas demonstrações financeiras em jornais de grande circulação.
A iniciativa apresentada pelo Executivo não chegou a ser analisada pelos plenários da Câmara e do Senado, passo necessário para que se transformasse em lei, e acabou caducando na terça-feira (3).
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já havia expressado opinião contrária à medida.
A legislação permite, no entanto, que uma medida provisória seja reapresentada no ano seguinte ao ter perdido validade ou ter sido rejeitada pelo Legislativo.
— A legislação diz que eu posso reapresentar no ano que vem — disse Bolsonaro. — Eu já falei para vocês, que são os mais interessados nesta questão, eu não estou perseguindo a imprensa. Eu quero apenas facilitar a vida de todo mundo no Brasil. Os empresários são obrigados a publicar periodicamente seus balanços e custa caro. Não justifica, no meu entender, essa despesa — afirmou.
A MP, editada pelo presidente em agosto, alterava uma lei sancionada por ele mesmo em abril deste ano e que permite às empresas publicarem de forma resumida seus balanços a partir de 1º de janeiro de 2022.
Bolsonaro editou a medida no mesmo dia em que o jornal Valor Econômico publicou reportagem que mostrava que Carlos Bolsonaro, filho do presidente e vereador pelo PSC no Rio de Janeiro, estava despachando do Palácio do Planalto.
Na ocasião, o presidente ironizou o jornal, que, por ser veículo dedicado à cobertura econômica, recebe volume maior de balanços de empresas.
— Eu espero que o Valor Econômico sobreviva à medida provisória de ontem (6 de agosto).
A MP 892 não foi a única editada por Bolsonaro com o intuito de tentar limitar as fontes de receita de veículos de comunicação cuja cobertura considera crítica a seu governo.
Em setembro, o presidente editou a MP 896, que dispensa a publicação de editais de licitação, concursos e tomadas de preços em jornais diários de grande circulação. Pela proposta, esses comunicados deveriam ser publicados apenas na imprensa oficial.
Este texto foi suspenso por liminar do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 18 de outubro. Ele determinou a suspensão até deliberação do Congresso ou até apreciação pelo plenário da corte.
Nos últimos meses, Bolsonaro tem intensificado a escalada contra veículos da imprensa, entre os quais a Folha de S.Paulo. Na semana passada, a presidência da República excluiu o jornal de uma licitação sem informar o critério técnico que embasou a decisão, e o presidente afirmou que boicota produtos de anunciantes do jornal.
Edital de pregão eletrônico publicado no Diário Oficial da União prevê a contratação por um ano, prorrogável por mais cinco, de uma empresa especializada em oferecer a assinatura dos veículos de imprensa à presidência.
A lista cita 24 jornais e 10 revistas. A Folha de S.Paulo não é mencionada. O pregão eletrônico, marcado para 10 de dezembro, tem um valor total estimado de R$ 194 mil: R$ 131 mil para jornais e R$ 63 mil para revistas.
Citando desvio de finalidade e desrespeito à liberdade de expressão, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) decidiu ingressar com uma ação popular na Justiça Federal em que pede que a Folha de S.Paulo não seja impedida de participar da licitação.
Na sexta-feira, o subprocurador-geral junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) Lucas Furtado também apresentou representação em que pede que o jornal não seja excluído. O PC do B também ingressou com ação na Justiça Federal defendendo a suspensão do processo de concorrência.
A TV Globo também foi alvo de Bolsonaro, que ameaçou não renovar a concessão da emissora após reportagem que o citou na investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL).
Entenda a medida provisória
O que dizia a MP 892?
A MP determinava que a publicação de balanços de empresas de capital aberto, prevista em lei, deveria ser feita, sem custo, no site da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), da entidade administradora do mercado em que os valores mobiliários da companhia estiverem admitidas à negociação (como a B3) e da própria empresa.
Antes, a legislação determinava que fossem publicados no Diário Oficial e em jornal de grande circulação que fosse editado no local em que a empresa está sediada, e as empresas pagavam por isso.
Por que a MP caducou?
As medidas provisórias precisam ser aprovadas pelo Congresso em até 120 dias da sua publicação pelo presidente, ou deixam de valer.
O que Bolsonaro disse ao assiná-la?
Ao anunciar a MP, o presidente fez ataques à imprensa. Em tom irônico, disse que a medida era "para ajudar a imprensa de papel" e que esperava que o "Valor Econômico sobreviva à medida provisória".
O Valor Econômico, por ser veículo dedicado à cobertura econômica, recebe um volume maior de balanços.
Como fica a publicação dos balanços agora?
Devem voltar a ser publicados no Diário Oficial e nos jornais.
Lei aprovada em abril pelo Congresso (e sancionada pelo próprio Bolsonaro) prevê que, a partir de 2022, os balanços sejam publicados de forma resumida na edição impressa dos jornais e, na íntegra, no site do veículo. A MP que agora deixa de valer revogava essa lei.
Havia outras medidas provisórias com teor semelhante?
Sim. A MP 896 dispensava os órgãos da administração pública de publicar editais em jornais. Contudo, a medida foi suspensa pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, que entendeu que a proposta feria a Constituição por, entre outras questões, prejudicar o direito à informação, à transparência e à publicidade nas licitações públicas.