O presidente Jair Bolsonaro assinou uma medida provisória (MP) que permite a empresas de capital aberto a publicação de balanços no site da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ou do Diário Oficial, em vez de veículos impressos. A MP foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) nesta terça-feira (6).
Em um discurso com críticas aos meios de comunicação, em São Paulo, Bolsonaro fez o anúncio questionando se a "imprensa de papel" iria publicá-lo.
— Ontem, assinei uma medida provisória que fala sobre publicação de balanços referentes às empresas de capital aberto — afirmou.
Ele citou que esses balanços, que são pagos pelas companhias aos jornais, ocupam diversas páginas da mídia impressa. Citou, como exemplo, a Petrobras.
— Para ajudar a imprensa de papel e para facilitar a vida de quem produz, também, a nossa medida provisória faz com que os empresários possam publicar seus balanços a custo zero em sites da CVM ou no Diário Oficial da União — acrescentou.
— As grandes empresas gastavam com jornais em média R$ 900 mil por ano. Vão deixar de gastar isso aí. Tenho certeza que a imprensa vai apoiar isso aí. Obra de uma caneta Bic ou Compactor. Quero que a imprensa venda a verdade para o povo brasileiro e não faça política partidária, como vêm fazendo alguns órgãos de imprensa.
Bolsonaro disse que o quer da imprensa "é a verdade" e ironizou o jornal Valor Econômico, que pertence ao Grupo Globo.
— Espero que o Valor Econômico sobreviva à medida provisória de ontem. Vão fazer este tipo de política? Pensar que o Valor me entrevistou por duas vezes durante a campanha. A segunda manchete era 'Bolsonaro tem a política econômica idêntica à de Dilma Rousseff'. Pelo amor de Deus , pô. Não sou um Dilmo de calça comprida — disse, para arrematar da seguinte forma:
— Imprensa, eu ganhei as eleições, eu sou o Johnny Bravo. Parem de me derrubar. Vamos em frente. Vão me criticar com razão.
O Valor afirmou que, ao contrário do que disse o presidente, Bolsonaro não concedeu entrevista ao jornal durante a campanha, embora tenha sido procurado diversas vezes.
"Em 2017, antes, portanto, da campanha, Bolsonaro deu duas entrevistas ao jornal, sem ter designado ainda um coordenador econômico, função que depois seria exercida pelo atual ministro da Economia, Paulo Guedes. Na primeira delas, foi questionado sobre economia. Em nenhum momento era feita a afirmação de que a política econômica de Bolsonaro era idêntica à de Dilma Rousseff. A matéria lembrava que durante o governo FHC Bolsonaro votou da mesma forma que o PT em temas econômicos, como a reforma da Previdência, por exemplo. Posteriormente, em textos de opinião, articulistas traçaram paralelos entre Bolsonaro e Dilma em relação a episódios pontuais. Um deles foi a decisão de Bolsonaro de interferir na política de preços da Petrobras para desarmar uma possível greve dos caminhoneiros, já neste ano", afirmou o veículo.
O que é a medida provisória
A MP mencionada por Bolsonaro é a de número 892 e foi publicada no Diário Oficial da União desta terça-feira. É assinada pelo presidente e também pelo ministro da Economia Paulo Guedes. Ela altera vários dispositivos da Lei das S/A (6.404/76). O trecho referente aos balanços de empresas está no artigo 289.
Em nova redação, o trecho destaca que: "As publicações ordenadas por esta lei serão feitas nos sítios eletrônicos da Comissão de Valores Mobiliários e da entidade administradora do mercado em que os valores mobiliários da companhia estiverem admitidas à negociação".
A redação original do artigo afirmava que as publicações seriam feitas também "em jornal de grande circulação editado na localidade em que está situada a sede da companhia".
A MP não altera a publicação de editais, vinculados ao serviço público.
Contradição com lei anterior
O presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech, afirma que é "um retrocesso do ponto de vista da transparência". Ele contrasta a publicação "o mais transparente possível", em jornais, com aquelas "às vezes em sites obscuros, que não ficam aos olhos públicos".
A mudança vai exigir de acionistas, inclusive minoritários, "e da sociedade buscar e às vezes com dificuldade encontrar informações das empresas". Rech, que é vice-presidente editorial do Grupo RBS, diz não ter elementos para afirmar que se trata de um ação política do governo federal.
— O que é estranho é que o Congresso aprovou e ele mesmo (Bolsonaro) sancionou, em abril, um projeto de lei que estende a publicação de balanços em jornais até 31 de dezembro de 2021 — diz Rech, sobre o projeto que mudava a mesma Lei das S/A.
— Depois disso seria publicado um resumo dos balanços nos impressos, e a íntegra, nos sites dos jornais — completou o dirigente da ANJ.
Rech afirma que "tem espaço para o questionamento, sem dúvida", da medida provisória assinada agora.
"Não é a melhor decisão", diz Maia
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também se manifestou sobre o assunto. Ele afirmou que a Câmara e o Senado vão trabalhar para construir um acordo sobre a medida provisória editada por Bolsonaro, e disse não acreditar que essa seja a "melhor decisão".
— Acho que a imprensa não está atacando ele (Bolsonaro). A imprensa está divulgando notícia. Se é contra ou a favor, essa é uma avaliação que cada um de nós tem que fazer quando é criticado ou elogiado pela imprensa. Não acho que o presidente tenha tomado a decisão de editar a medida provisória por isso. Minha preocupação em relação à medida provisória é que, do ponto de vista teórico, ela faz sentido, mas o papel-jornal hoje ainda é um instrumento muito importante da divulgação de informação, da garantia da liberdade de imprensa, da liberdade de expressão, da garantia da nossa democracia. Então, retirar essa receita dos jornais da noite para o dia não me parece uma decisão, assim, a melhor decisão.