Com a perspectiva de repetição do antagonismo visto na eleição de 2018 entre Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva, agora solto, a ex-presidente Dilma Rousseff afirmou nesta sexta-feira (22) haver uma demonização da polarização política no país.
O objetivo, segundo ela, é viabilizar o centro como única opção, uma vez que o centro político é a favor de uma economia liberal — responsável pela desigualdade do país, na visão da ex-presidente.
Dilma falou em palestra que antecedeu o 7º Congresso Nacional do PT, em São Paulo. O ato de abertura terá a presença de Lula na Casa de Portugal, que abriga o evento petista até domingo (24). No congresso, Gleisi Hoffmann deve ser reeleita presidente da sigla para um novo mandato de quatro anos.
A fala de Dilma girou em torno do ataque ao neoliberalismo.
— A política que defende que há só o consenso de centro e não há posições diferentes no cenário político é eminentemente uma política liberal. Porque o centro defende que um país com desigualdade brutal não pode ter politicas de contraposição — afirmou.
— A polarização nós não inventamos como país. O próprio IBGE diz que tem uma concentração de renda em que pobre ganha só 0,8% da renda nacional, enquanto os 10% mais ricos ganham 43%. Como que não tem polarização? Aonde que não tem polarização? Se você está excluído da riqueza do seu país — completou, arrancando aplausos da plateia.
— Como não polarizar diante do fato de que querem cobrar imposto dos desempregados? — questionou, antes de mencionar que também há polarização na questão da Petrobras e da proteção da Amazônia.
Dilma afirmou ainda que o país não é "polarizado porque alguém quer", em referência aos embates entre Lula e Bolsonaro.
— É polarizado porque, infelizmente, é a herança de uma elite cega, oligárquica, que sempre defendeu só seus interesses.
Lula, em suas falas desde que deixou a prisão, no último dia 8, tem dito que o PT deve polarizar.
— O PT tem que polarizar mesmo, tem que disputar para valer — afirmou em entrevista na quarta (20).
Dilma também afirmou que, para que houvesse uma hegemonia neoliberal, foi preciso enfraquecer os partidos, o que permitiu o surgimento da extrema-direita.
— Nós somos diferentes do resto do mundo numa coisa, aqui o neofascismo tomou o governo, aqui ele teve uma vitória — afirmou.
— O que mostra o verdadeiro caráter do neoliberalismo, que é excludente, concentrador de renda, antissocial, antipopular, mas sobretudo no caso do Brasil. (...) Nossa luta democrática pela eleição não é só uma luta contra o neofascismo, é uma luta contra o neoliberalismo e a desigualdade.
Dilma falou em palestra que tinha como foco a América Latina e da qual participaram Gleisi, Fernando Haddad, Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores, e José Luis Rodrigues Zapatero, ex-primeiro-ministro da Espanha, entre outros.
A ex-presidente afirmou que vivemos a volta dos golpes de Estado tradicionais ao comentar a situação da Bolívia com a renúncia de Evo Morales. Para a petista, há interferência dos EUA e uma tentativa de reenquadrar a América Latina como seu quintal.
Após a palestra de Dilma, os cerca de 800 delegados do congresso, além de militantes e convidados, aguardavam pelo discurso de Lula na Casa de Portugal.
Presença de Lula mudou o Congresso do PT
Após decisão do Supremo Tribunal Federal contra a prisão de condenados antes do trânsito em julgado (fim dos recursos) e que permitiu a soltura de Lula, a presença do ex-presidente fez com que o congresso do partido tivesse que ser repensado. A direção do PT tentou mover às pressas a abertura para a praça da República, mas problemas de logística e chuva impediram.
Petistas da cúpula do partido esperam que o discurso de Lula seja mais elaborado e pensado do que os anteriores, considerados um desabafo de quem esteve 580 dias preso. A ideia, dizem, é olhar mais para frente do que para trás e oferecer uma alternativa ao país, com foco em economia, soberania e democracia.
Há ainda uma preocupação de que Lula não faça ataques diretos a Bolsonaro, o que faria o presidente crescer em sua base.
O congresso do PT discutirá, entre outros assuntos, as alianças para a eleição de 2020 e a oposição a Bolsonaro.
Lula já enfatizou a necessidade de que o partido tenha candidaturas próprias no maior número de cidades e lance seus melhores quadros. A estratégia é usar as campanhas petistas e o tempo de TV em 2020 para fazer uma defesa do partido, do seu legado e dele próprio em meio aos processos da Lava-Jato.
A forma de organizar a oposição ao governo federal também será tema do congresso. Ao final, o PT apresenta uma resolução que guia os rumos do partido. O documento terá como base a tese defendida pela corrente majoritária do PT, a Construindo um Novo Brasil (CNB).
Líderes da corrente dizem que pedir impeachment será palavra vazia, pois não há crime de responsabilidade nem mobilização social ou maioria parlamentar para dar sustentação a isso.
A tese da CNB, que será debatida pelos petistas e pode receber alterações, fala em buscar o centro numa ampla frente contra Bolsonaro.
Gleisi afirmou que as prioridades do partido serão "fazer a mais firme oposição ao governo Bolsonaro, que está destruindo o país; apresentar propostas para superar a grave crise que faz o povo sofrer e fortalecer o partido nas eleições municipais".