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A um ano das eleições municipais de 2020, o cenário que se desenha para quem sonha em comandar uma das 497 prefeituras do Rio Grande do Sul é profuso de incertezas. Pela primeira vez após décadas de tentativas fracassadas, o novo pacto federativo pode, finalmente, se tornar realidade e mudar a forma de distribuição de recursos no país. A dúvida que aflige líderes de entidades municipalistas é se a mudança será para melhor — ou para pior.
A divisão desigual do bolo tributário, os custos da Previdência e a falta de dinheiro frente a demandas crescentes estão na raiz dos principais desafios no horizonte de pequenas, médias e grandes cidades (veja o quadro). Em 2018, segundo dados da Confederação Nacional de Municípios (CNM), as administrações locais ficaram com 22,42% de tudo o que foi arrecadado em impostos no país, contra 28,05% dos Estados e 49,53% da União. A expectativa é de que a partilha seja revista.
Em diferentes ocasiões, o ministro da Economia, Paulo Guedes, prometeu apresentar novo projeto de reforma tributária e promover alterações para descentralizar verbas. Na última semana, um revés na votação da reforma da Previdência no Senado levou o ministro a mudar o tom, ameaçando reduzir ganhos para Estados e municípios.
Enquanto a situação não se define, o debate sobre o sistema tributário avança na Câmara e no Senado, onde tramitam duas propostas, com pontos que preocupam lideranças municipais. Ambas preveem a criação de um único imposto, que aglutinaria não apenas tributos federais, mas também estaduais e municipais — entre eles o ISS, cuja arrecadação é exclusiva das prefeituras e vem crescendo no país.
— Ainda há muitas dúvidas sobre o que vai acontecer, e isso tem causado apreensão. O melhor seria o governo propor a unificação de tributos da União apenas, tornando a partilha mais justa. A população não tem a menor ideia do que seja o pacto federativo, mas é lá na ponta que vão chegar as cobranças — sintetiza o economista François Bremaeker, do Observatório de Informações Municipais.
Os motivos de aflição incluem o futuro do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), principal fonte de receita em 81% das cidades, e a possível atribuição de mais responsabilidades às prefeituras. Também há dúvidas sobre o impacto da nova forma de tributação — baseada no consumo — nas regiões produtoras.
Outro ponto que desagrada os prefeitos é a exclusão dos municípios da reforma previdenciária. Eles ainda poderão ser contemplados — o que significaria, segundo a CNM, economia de R$ 41 bilhões em quatro anos —, mas a medida depende da aprovação de uma segunda proposta de emenda à Constituição. Nada está definido.
Presidente da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), Dudu Freire engrossa o coro das preocupações. Prefeito de Palmeira das Missões, diz sentir na pele os efeitos da crise. Embora não perca a esperança de dias melhores, o gestor teme prejuízos e projeta a repetição, em 2020, de fenômeno já observado nas eleições de 2016. À época, segundo levantamento da Famurs, ao menos um terço dos prefeitos abdicou do direito de tentar a reeleição.
— Se o cenário continuar ruim ou piorar, acredito que mais gente vai desistir de concorrer em 2020. As dificuldades financeiras se agravaram muito nos últimos cinco anos — ressalta Freire.
Ciente dos problemas, o presidente da CNM, Glademir Aroldi, afirma que a entidade vem trabalhando junto ao governo federal e ao Congresso na tentativa de evitar prejuízos. Aroldi é otimista em relação ao desfecho das contendas e diz esperar "um novo momento" para quem se eleger em 2020:
— A gente espera que as coisas se encaminhem bem, até porque o presidente Jair Bolsonaro se comprometeu, na campanha, a ajudar os municípios. Temos a esperança de que os novos prefeitos possam ter perspectivas melhores. Ainda estamos num momento de debate. Muita coisa vai ser alterada. Esta é uma grande oportunidade, que não podemos deixar passar.
Os desafios para os futuros prefeitos
- 1. Finanças públicas
Quem pensa em concorrer a prefeito em 2020 terá de se preparar para lidar com a escassez de recursos e todos os problemas decorrentes disso. Ainda que o novo pacto federativo e a reforma tributária sejam favoráveis às prefeituras, haverá um período de transição. No caso da reforma, isso pode levar 10 anos.
Será preciso, portanto, buscar alternativas para alavancar receitas e honrar os compromissos — em especial, a folha de pagamento, que se tornou um problema em boa parte dos municípios. Na avaliação de Guilherme Pasin, vice-presidente da Famurs e prefeito de Bento Gonçalves, uma das saídas possíveis — sem penalizar os contribuintes — é apostar na diversificação da economia.
— Buscar atrativos para que recursos novos entrem em caixa será vital — diz.
- 2. Educação
Em vigor desde 2007, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) tem data para expirar: dezembro de 2020. Espécie de poupança dedicada ao ensino, o Fundeb é responsável por mais de 60% dos recursos da área em todo o país. Em 2018, distribuiu mais de R$ 150 bilhões (90% fruto de contribuições de Estados e municípios e 10% da União). O futuro do fundo é alvo de debate no Congresso.
— A indefinição é preocupante. Dependendo do que acontecer, os prefeitos poderão ter sérios problemas. Todos os municípios, especialmente os pequenos, precisam muito desses recursos — adverte Álvaro Guedes, professor de Administração Pública da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
- 3. Saúde
Garantir atendimento à população é um desafio para municípios de pequeno, médio e grande porte — e dificilmente haverá mudanças até as eleições. Embora o Estado venha pagando em dia as prefeituras, uma dívida antiga (de pelo menos R$ 480 milhões, que não foi empenhada) segue pendente. Ao mesmo tempo, a tabela do SUS — que define os valores pagos pelos serviços prestados — não é atualizada há anos, obrigando a alocação de recursos extras. Há, ainda, um terceiro problema, que deverá ser herdado pelos futuros prefeitos.
— Faltam 700 médicos na rede de atenção básica. A situação é mais grave nos municípios menores e distantes dos grandes centros, onde a saída dos médicos cubanos não foi suprida. Isso virou um grande problema — adverte o presidente da Famurs, Dudu Freire.
- 4. Previdência
Nove em cada 10 prefeituras com Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) amargaram déficit atuarial nos últimos anos. Ou seja: a soma das contribuições dos segurados (incluindo a cota patronal) é insuficiente para cobrir as despesas previstas. O desencaixe já superou R$ 25,9 bilhões e tende a aumentar.
Se os municípios ficarem fora da reforma em debate no Congresso, os próximos prefeitos terão ainda mais dificuldades, já que, para cobrir o déficit, são obrigados a usar recursos de outras áreas (como saúde e educação).
— A situação previdenciária é um gargalo em praticamente todas cidades, em especial nas de porte médio. O tema precisa da atenção de todos, porque, certamente, vai se refletir nas futuras gestões — projeta Guilherme Pasin, vice-presidente da Famurs.
- 5. Mobilidade urbana
Não há como escapar do debate: quem pretende administrar municípios de médio e grande porte terá de se preparar para enfrentar problemas de mobilidade urbana, tema que ganhará cada vez mais espaço nas campanhas eleitorais. A saída para o problema, segundo João Fortini Albano, doutor em Sistemas de Transportes e Logística e diretor da Sociedade de Engenharia do Rio Grande do Sul, passa por planejamento, priorização ao transporte público e intervenções pontuais.
— É importante identificar os nós viários e atuar em cima deles. Isso nem sempre exige grandes investimentos. Muitas vezes, basta melhorar a sinalização e a engenharia de fluxo. O essencial é se cercar de bons técnicos, planejar muito bem e pensar no longo prazo — ensina Albano.
- 6. Segurança pública
Embora índices de criminalidade venham melhorando e municípios tenham sido beneficiados com novos PMs, equipamentos e viaturas, o combate e a prevenção à violência continuam sendo desafios no horizonte dos gestores municipais. Em 2020, não será diferente.
— Ainda há uma tendência de acharmos que essa pauta é exclusiva dos governos estaduais, mas os prefeitos precisam entrar cada vez mais nesse debate e exercer um papel de liderança. Não tem saída — diz Paula Mascarenhas, vice-presidente de Segurança Pública da Frente Nacional de Prefeitos (FNP) e prefeita de Pelotas.
As ações possíveis nem sempre exigem grande aporte de recursos. Podem partir, por exemplo, da integração entre as forças policiais e as guardas municipais e de planejamento conjunto.