O Supremo Tribunal Federal (STF) se prepara para dar em outubro o seu mais duro recado à operação Lava-Jato e ao ministro da Justiça, Sergio Moro.
Segundo ministros ouvidos pela reportagem, a pauta da corte deve ser tomada por julgamentos que, em suma, podem tornar sem efeitos decisões do ex-juiz e da força-tarefa coordenada pelo procurador Deltan Dallagnol.
O presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, indicou aos colegas estar disposto a levar ao plenário no próximo mês as ações que questionam a constitucionalidade das prisões após condenação em segunda instância — uma das principais bandeiras da Lava-Jato — e a discussão que anulou a sentença imposta por Moro a Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil — ministros entenderam que ele deveria ter tido mais tempo para se defender de acusações feitas por delatores julgados no mesmo processo.
Segundo esses magistrados, a provável inclusão dos temas na pauta do plenário sinaliza que, hoje, já haveria maioria a favor das teses contrárias à Lava-Jato.
O presidente da corte também admitiu antecipar o debate sobre uso de dados detalhados de órgãos de controle — como Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Receita Federal e Banco Central — sem autorização judicial. Inicialmente, ele estava previsto para 21 de novembro.
Em julho, Toffoli atendeu a um pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e suspendeu investigações criminais que usassem informações detalhadas desses órgãos.
Moro chegou a ir ao Supremo para relatar a Toffoli sua insatisfação com a decisão, dizendo que ela poderia colocar em risco o combate à lavagem de dinheiro.
O episódio irritou o presidente Jair Bolsonaro e ampliou a desconfiança do Palácio do Planalto com o ministro da Justiça — no momento em que a atuação do ex-juiz foi colocada em xeque após mensagens reveladas pelo site The Intercept Brasil e por outros órgãos de imprensa, como a Folha de S.Paulo.
É nesse ambiente de desgaste de Moro que Gilmar Mendes pretende retomar, também em outubro, o julgamento da alegada suspeição do ex-juiz — até lá, a avaliação no Supremo é a de que estará consolidada uma derrota de Moro na Segunda Turma da corte.
Os magistrados vão voltar a discutir um pedido de habeas corpus formulado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no qual se alega a falta de imparcialidade de Moro na condução do processo do tríplex de Guarujá (SP).
Se a solicitação for aceita, a sentença pode ser anulada e o caso voltaria aos estágios iniciais. Com isso, Lula poderia sair da cadeia.
O julgamento chegou a ser marcado para 25 de julho, mas Gilmar pediu que ele saísse da pauta. Para o ministro, a corte deveria aguardar os desdobramentos do vazamento das conversas atribuídas a Moro com a cúpula da Lava-Jato. Naquele momento, já havia a perspectiva de que surgissem novos diálogos que pudessem corroborar o que alegam os advogados de Lula.
De fato, passados mais de 45 dias daquela sessão, os ventos no Supremo mudaram, avaliam ministros.
Desde então, de acordo com relatos de magistrados nos bastidores, o decano Celso de Mello passou a dar sinais de incômodo com o conteúdo das mensagens reveladas. O ministro é considerado peça fundamental para que a alegada suspeição de Moro volte a ser debatida e seja acatada pelo colegiado. Gilmar estaria apenas esperando uma sinalização do colega para liberar o processo.
A avaliação de uma ala do Supremo é a de que, hoje, a maioria dos ministros da Segunda Turma já não tem mais dúvidas sobre a parcialidade de Moro. O entendimento tem sido reforçado pela repercussão internacional. Um magistrado disse à reportagem, na condição de anonimato, que o STF precisa se posicionar porque o cenário para a Justiça brasileira está ruim.
No início de agosto, como informou a colunista Mônica Bergamo, um grupo de 17 juristas, advogados, ex-ministros da Justiça e ex-membros de cortes superiores de oito países escreveu texto conjunto em que afirmavam que as mensagens trocadas entre Deltan e Moro "estarreceram todos os profissionais do direito".
"Num país onde a Justiça é a mesma para todos, um juiz não pode ser simultaneamente juiz e parte num processo, afirmaram.
O episódio das mensagens também tem tido impacto nas decisões da ministra Cármen Lúcia. No dia 27, ela acompanhou os colegas Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes e votou pela anulação da condenação de Aldemir Bendine por corrupção e lavagem de dinheiro em uma ação ligada à Lava-Jato.
Foi a primeira vez em que o STF anulou uma condenação de Moro — abrindo precedente favorável a outros condenados que tiveram processos semelhantes, como o ex-presidente Lula e o ex-governador do Rio Sérgio Cabral (MDB).
Nesta quarta-feira (11), numa sinalização de que pretende acelerar eventual condenação de Lula no processo sobre o sítio de Atibaia (SP), o juiz federal João Pedro Gebran Neto, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), concluiu a análise do recurso sobre a condenação. O processo foi encaminhado ao revisor Leandro Paulsen, responsável por marcar a data do julgamento.
Com a movimentação no TRF-4, os advogados de Lula avaliam fazer novo pedido ao STF para que a corte julgue com urgência a alegada falta de imparcialidade de Moro.
A expectativa da defesa e de aliados do ex-presidente é a de que um eventual entendimento favorável a Lula no caso do tríplex seja estendido ao processo do sítio.
A ação penal do sítio, em que o petista foi condenado a 12 anos e 11 meses de prisão em primeira instância, seguiu o mesmo roteiro da de Bendine e pode ter a sentença anulada pelo STF.
O ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no Supremo, decidiu remeter ao plenário da corte a discussão de um caso semelhante ao de Bendine. O voto de Cármen Lúcia a favor do ex-presidente da Petrobras, na avaliação de integrantes da corte, mexeu com os ânimos internos.
Hoje, nas contas de ministros favoráveis ao entendimento que beneficiou Bendine, já há ampla maioria no plenário para acatar a tese de que o juiz deveria ouvir primeiro as alegações finais de delatores e, depois, as dos demais réus, para que estes tivessem a oportunidade de se defender.
De acordo com esse entendimento, os métodos usados pela Lava-Jato feriram o princípio constitucional do direito à ampla defesa e ao contraditório.
Presidente da Segunda Turma, Cármen já havia falado em 25 de julho de "mudança de quadro, dada a gravidade do que vem se apresentando no sentido de eventual parcialidade" — numa referência às mensagens divulgadas que sugerem proximidade entre juiz e acusação.
Depois disso, a ministra apareceu nas mensagens, sendo chamada de "frouxa" por um dos procuradores da força-tarefa de Curitiba. Mas, segundo colegas de Cármen, ela teria ficado impressionada com o teor das conversas em que os procuradores da Lava-Jato ironizam a morte da ex-primeira-dama Marisa Letícia e o luto de Lula, tanto no velório dela quanto no do neto do ex-presidente Arthur, 7 anos.
Nesse novo cenário, a avaliação nos tribunais superiores e na comunidade jurídica é a de que ministros alinhados à pauta da Lava-Jato têm perdido força e, a seguir nessa toada, podem terminar o mês de outubro derrotados.
Pautas agendadas no Supremo
Suspeição de Moro — Lula pede ao STF a suspeição do ex-juiz Sergio Moro nos casos do petista que tramitam ou tramitaram no Paraná. Se o pedido for aceito, a sentença do tríplex de Guarujá (SP), que originou a prisão do ex-presidente, pode ser anulada, e Lula sairia da cadeia. O caso é julgado na Segunda Turma.
Caso Coaf — O presidente do STF, Dias Toffoli, suspendeu investigações criminais baseadas em informações detalhadas fornecidas por órgãos de controle, como o Coaf. O julgamento no plenário está marcado para 21 de novembro, mas Toffoli pode antecipá-lo.
Prisão após segunda instância — O julgamento deve decidir, de forma definitiva, se a execução da pena após a condenação em 2ª instância é constitucional. Inicialmente estava previsto para abril, mas foi adiado por Toffoli.
Delatores versus delatado — A Segunda Turma anulou a condenação, proferida por Moro, do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine por entender que ele deveria ter tido mais tempo para se defender de acusações feitas por delatores julgados no mesmo processo. Fachin decidiu levar a questão ao plenário, desta vez no caso do ex-gerente da Petrobras Márcio de Almeida Ferreira.