Mensagens atribuídas a integrantes da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba mostram que procuradores teriam ironizado a morte da ex-primeira-dama Marisa Letícia e o luto do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Os supostos diálogos foram divulgados nesta terça-feira (27) pelo portal UOL e teriam sido extraídos, conforme o site, de chats privados do aplicativo Telegram enviados por fonte anônima ao site The Intercept Brasil.
Os diálogos também mostram que procuradores divergiram sobre o pedido de Lula para ir ao enterro do irmão Genival Inácio da Silva em janeiro deste ano. Os procuradores temiam manifestações políticas em defesa do petista que pudessem impedir a volta dele à superintendência da Polícia Federal. A comoção do ex-presidente diante do caixão do neto Arthur Araújo Lula da Silva, que morreu aos 7 anos em março, também foi criticada, conforme mostram os supostos diálogos.
Marisa Letícia sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) hemorrágico em 24 de janeiro de 2017 e foi internada no hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Ela morreu 10 dias depois. O procurador Januário Paludo teria dito que "estão eliminando as testemunhas", possivelmente referindo-se aos crimes pelos quais Lula é acusado.
Um dia antes, a procuradora Laura Tessler, do Ministério Público Federal em Curitiba, teria sugerido que Lula faria uso político da perda da mulher:
"Quem for fazer a próxima audiência do Lula, é bom que vá com uma dose extra de paciência para a sessão de vitimização".
Após a morte, os integrantes da força-tarefa teriam voltado a se manifestar. Laura Tessler teria rebatido uma nota da colunista do jornal Folha de S.Paulo Mônica Bergamo. No texto, a jornalista escreve sobre a agonia vivida por Marisa em seus últimos dias de vida por conta das denúncias contra o marido. Laura teria refutado a possibilidade de o agravamento do quadro da ex-primeira-dama ter acontecido após busca e apreensão na casa dela e dos filhos e da condução coercitiva de Lula, determinada pelo então juiz Sergio Moro:
"Ridículo... Uma carne mais salgada já seria suficiente para subir a pressão... ou a descoberta de um dos milhares de humilhantes pulos de cerca do Lula". E prossegue: "Só falta dizer que a Lava-Jato implantou 10 anos atrás um aneurisma na cabeça da mulher".
Laura teria colocado uma fala de Lula no chat, onde o ex-presidente diz querer "que os facínoras que fizeram isso contra ela tenham um dia a humildade de pedir desculpas".
Ao que Deltan Dallagnol teria respondido:
"Bobagem total...ninguém mais dá ouvidos a esse cara".
Na mesma conversa, o procurador Januário Paludo, que também integra a força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, teria colocado sob suspeita as circunstâncias da morte de Marisa Letícia.
"A propósito, sempre tive uma pulga atrás da orelha com esse aneurisma. Não me cheirou bem. E a segunda morte em sequência", diz ele, sem especificar qual outra morte se referia.
Os pedidos de Lula para ir aos enterros do irmão em janeiro, vítima de câncer, e do neto Arthur, em março, também teriam sido debatidos nas trocas de mensagens. As consequências de uma eventual saída de Lula da superintendência da PF em Curitiba e a legalidade da liberação provisória teriam dividido opiniões no chat. Parte dos procuradores teria defendido o direito de Lula ir ao enterro do irmão, enquanto outros teriam sustentado que o ex-presidente não é um "preso comum" e teriam se posicionado contra.
"Se não for, vai ser uma gritaria. É um prato cheio para o caso da ONU (Organização das Nações Unidas)", teria dito Athayde Ribeiro Costa.
O procurador Orlando Martello teria considerado "uma temeridade" ele sair. "Não é um preso comum. Vai acontecer o que aconteceu na prisão" e conclui: "A militância vai abraçá-lo e não o deixarão voltar. Se houver insistência em trazê-lo de volta , vai dar ruim!!".
O procurador Diogo Castor teria ponderado que "todos presos em regime fechado têm esse direito", e Orlando Martello retoma o argumento do risco à segurança: "3, 4, 10 agentes não o trarão de volta. Aí que mora o perigo caso insistam em fazer cumprir a lei".
No chat, Antônio Carlos Welter teria concordado com a PF, mas teria dito que acreditava que Lula tinha o direito de ir ao enterro do irmão. "Eu acho que ele tem direito a ir. Mas não tem como". Januário Paludo teria respondido: "O safado só queria passear e o Welter com pena". Laura Tessler comenta: "O foco tá em Brumadinho...logo passa...muito mimimi". Lula acabou não sendo liberado pela Justiça.
Com a confirmação da morte de Arthur, neto de Lula, por infecção generalizada provocada por uma bactéria em março, a procuradora Jerusa Viecili teria dito: "Preparem para nova novela ida ao velório". Após autorização judicial, Lula foi ao enterro do neto em uma aeronave cedida pelo governo do Paraná. Deltan teria encaminhado aos colegas notícia sobre um contato telefônico feito entre Lula e o ministro do STF Gilmar Mendes em que o ex-presidente teria se emocionado. O procurador Roberson Pozzobon comenta: "Estratégia para se 'humanizar', como se isso fosse possível no caso dele rsrs".