Afastado do cargo por 180 dias em cumprimento a decisão judicial, o prefeito de Bagé, Divaldo Vieira Lara (PTB) é apontado pelo Ministério Público (MP) como líder de uma organização criminosa que durante dois anos sangrou os cofres do município em cerca de R$ 2,5 milhões. Desde terça-feira (24), ele não pode sequer frequentar as dependências da prefeitura e da Câmara de Vereadores, conforme despacho do desembargador Julio Cesar Finger. Nesse período, a cidade será administrada pelo vice-prefeito, Manoel Machado.
De acordo com o MP, "o chefe da organização criminosa experimentou um aumento patrimonial significativo no curso das investigações". Numa das contas mantidas por Divaldo junto com a mulher, sustentam os procuradores, foram movimentados até junho de 2018 R$ 4,2 milhões, "sem falar dos automóveis e imóveis existentes em nome do casal".
No material reunido pelos investigadores, há escutas telefônicas autorizadas pela Justiça mostrando ajustes nos editais para beneficiar empresários, assessores negociando compra de gado em nome do prefeito, monitoramento dos suspeitos por fotografias tiradas pelo serviço de inteligência da Brigada Militar, extratos de transferências bancárias e relatórios de movimentação financeira.
O afastamento de Divaldo foi formalizado na manhã desta quarta-feira (25), em Porto Alegre. Segundo o procurador-geral de Justiça, Fabiano Dallazen, a medida foi necessária para evitar interferência à investigação e ao município. Dallazen diz que os 180 dias serão usados para complemento das apurações e a devida instrução dos processos, podendo haver inclusive novo pedido para que ele se mantenha apartado das funções públicas.
– O processo está pronto para ir ao Judiciário, mas durante esse tempo ficou demonstrado o risco de que, se não houvesse o afastamento, as ações (delituosas) poderiam ter continuidade. Também foi necessário para não haver interferência na coleta de provas. Esse é um trabalho longo, detalhado e profissional, conduzido sem estrépitos – diz o procurador.
Ao cabo das 323 páginas das denúncias, os procuradores pedem que Divaldo perca o cargo em definitivo, bem como seja proibido de exercer função pública por cinco anos. O MP também requer que os acusados devolvam ao município os R$ 2,5 milhões contabilizados em prejuízo.
Denúncia indica formação de quadrilha
Irmão do presidente da Assembleia Legislativa, Luis Augusto Lara, Divaldo foi denunciado por formação de quadrilha, desvio de verbas públicas, fraude à Lei das Licitações e crime de responsabilidade pelo Grupo de Atenção Especial e Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MP. Nas duas ações propostas à 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, os procuradores reuniram em 323 páginas uma coletâneas de indícios contra o prefeito e outras 12 pessoas.
Também foram atingidos pela medida os ex-secretários municipais de Finanças, José Otávio Ferrer Gonçalves, e do Meio Ambiente, Aroldo Quintana Garcia. Ambos já estavam afastados do cargo desde outubro do ano passado, quando o MP deflagrou a Operação Factótum. Na ocasião, Divaldo foi alvo de mandados de busca e apreensão e teve a casa e o gabinete vasculhados pelos procuradores.
Agora, foram denunciados ainda a ex-diretora-geral da Câmara de Vereadores Carla Almeida Caetano Gonçalves, o ex-diretor do Departamento de Águas e Esgotos de Bagé Volmir Oliveira Silveira, o ex-secretário da Fazenda Aurelino Brites Rocha, os servidores Giovani Soares de Morales e Glademir Silva Leal, o atual secretário Municipal do Meio Ambiente, Nael Abd Ali, e os empresários Ronaldo Burns Costa e Silva, Paula Lopes Groeger, Rogério dos Anjos Meirelles e Cassius Fagundes Reginatto.
As supostas irregularidades teriam sido cometidas em contratos de coleta de lixo, higienização de postos de saúde, fornecimento de máquinas e serviços para órgãos públicos. Conforme o MP, Divaldo teria começado a estruturar o esquema ainda em 2015, ao assumir a presidência do Legislativo. Na prefeitura, ele teria conduzido as ações para dispensar licitações, autorizar pagamentos fracionados e em duplicidade, sem prévio empenho ou mesmo sem contrato, beneficiando empresas dos demais suspeitos.
Divaldo também responde, na Justiça Eleitoral, a uma ação que pode cassar seus direitos políticos por oito anos. Ele e o presidente da Assembleia são réus por abuso de poder político, econômico e de autoridade na eleição do ano passado. O processo está pronto para ser julgado. Divaldo e Luís Augusto foram acusados de coagir servidores e usar a máquina do município em favor da campanha do parlamentar, reeleito para o sexto mandato consecutivo. Eles negam as acusações.
O que diz o prefeito de Bagé
"A respeito da decisão que determinou o afastamento provisório do prefeito do município de Bagé, esclarecemos que os fatos investigados e denunciados são antigos e de nenhuma forma justificam o atendimento do pedido do Ministério Público tão grave em face do detentor de mandato popular eleito soberanamente pela imensa maioria da população bajeense.
Causa estranheza e surpresa o afastamento do chefe do Executivo no atual momento processual, com a investigação já maturada, sem fato novo, quando concluídas diversas diligências e oitivas de testemunhas, sem qualquer notícia de que o prefeito tenha obstaculizado a colheita de provas. Ao contrário, Divaldo Vieira Lara sempre colaborou ativamente com as investigações, prestando todos os esclarecimentos quando intimado, instaurando sindicâncias internas no município para elucidar os fatos e auxiliando os órgãos competentes.
Salienta-se que o afastamento cautelar foi fruto de despacho de apenas um desembargador, após a reiteração do pedido anteriormente negado por este, que deverá ser revertido pelo próprio Tribunal de Justiça do Estado ou nas cortes de Brasília. As medidas jurídicas cabíveis já estão sendo tomadas por sua defesa a fim de garantir a prevalência da presunção de inocência e da soberania popular.
Por fim, lamentamos que o teor da decisão já circulava em redes sociais de adversários políticos e da oposição – que usam o denuncismo político como ferramenta de trabalho – antes que os próprios alvos da medida, seus advogados ou o procurador do município de Bagé tivessem acesso."
O que diz a empresária Paula Lopes Groeger
"Eu não tenho o que falar. Nós vamos esperar. Não tem nada de errado. Vamos deixar o Ministério Público faturar e depois fazer a nossa defesa."
Demais envolvidos não se manifestaram
GaúchaZH entrou em contato e deixou mensagem, mas não obteve retorno do ex-secretário José Otávio Ferrer Gonçalves, do ex-diretor do Daeb Volmir Silveira, do empresário Ronaldo Costa e Silva, da ex-diretora da Câmara de Vereadores Carla Gonçalves e do servidor municipal Giovani Soares. GaúchaZH não conseguiu contato com os ex-secretários Aroldo Garcia e Aurelino Rocha, o servidor Glademir Silva Leal, o atual secretário do Meio Ambiente, Nael Abd Ali, e os empresários Rogério Meirelles e Cassius Reginatto.