Presidente da Assembleia Legislativa e segundo na linha sucessória do Estado, o deputado Luis Augusto Lara (PTB) se tornou réu por abuso de poder político, econômico e de autoridade na eleição do ano passado. Ele e o irmão, o prefeito de Bagé, Divaldo Lara (PTB), respondem a uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije) por coagir servidores e usar a máquina do município em favor da campanha do parlamentar. Luís Augusto e Divaldo negam as acusações (confira no final do texto).
Em 61 páginas, nas quais lista depoimentos, atos oficiais do prefeito, áudios de conversas via WhatsApp e interceptações telefônicas, o Ministério Público Eleitoral (MPE) sustenta que a dupla "ofendeu de morte os princípios da administração pública", colocando em "risco a própria lisura do pleito". O procurador federal Luiz Carlos Weber pede a cassação do mandato do deputado e a inelegibilidade dele e do prefeito de Bagé por oito anos.
Entre as provas apresentadas pelo MPE, está a realização de um jantar para arrecadação de fundos à campanha de Lara, em 28 de setembro de 2018. Na ocasião, pelo menos 258 servidores colaboraram com R$ 250 cada um, comprando convites que somaram, no mínimo, R$ 64,5 mil.
O evento ocorreu no mesmo dia em que a prefeitura pagou metade do 13º salário do funcionalismo, dois meses distante do prazo limite. Duas semanas antes, a prefeitura relatou ao jornal Folha do Sul temor de falta de recursos para pagar o benefício.
Conforme o MPE, servidores graduados e secretários municipais receberam uma carga de convites para vender aos subordinados. Às vésperas do jantar, o MPE flagrou uma série de diálogos nos quais o próprio prefeito pressiona os auxiliares a comprar.
— Quem não vendeu que compre seus convites. Não quero devolução. Estamos na reta final — afirma Divaldo, em mensagens enviadas às 10h02min de 27 de setembro, véspera do jantar.
No mesmo dia, cobrado por uma assessora, o então secretário de Meio Ambiente, Aroldo Quintana, relata limitações na venda dos ingressos:
— Ninguém tem dinheiro, é uma dificuldade.
— É, mas amanhã sai o salário — responde a assessora.
O MPE indica que, antes mesmo de o pagamento do 13º ser comunicado oficialmente pela prefeitura, os secretários já disseminavam a informação como forma de pressionar os servidores.
— Notícia boa pra vender convites para o jantar! O governo paga nesta sexta, dia 28, metade do 13º salário. Ou seja, não ter dinheiro não é desculpa. Vamos pra cima — orienta Fabiano Marimon, então titular da pasta da Cultura.
Conforme conclui o procurador, "o adiantamento do 13º salário foi fundamental para o sucesso do evento", bem como "a pressão, ameaça ou coação sofrida por quem não se dispunha a adquirir o convite de forma livre ou espontânea".
Para demonstrar a indução, o MPE elenca pelo menos dois diálogos. No dia 13 de setembro, um funcionário da Procuradoria do município fala com o então secretário de Finanças, José Otávio Gonçalves.
— Boa tarde, secretário, o que fazer com a P. e a N. (GaúchaZH preserva o nome dos servidores), que não quiseram comprar o convite?
— Que barbaridade. Passa pro Divaldo — responde, transferindo o caso para o prefeito.
Outro indício do uso da máquina pública em benefício de Lara foi um decreto assinado por Divaldo, em 13 de julho de 2018, instituindo expediente em turno único na prefeitura, das 8h às 14h. Segundo o MPE, a medida tinha desvio de finalidade, "para fins de realização de campanha eleitoral". A investigação mostra ainda a obrigação de postagens elogiosas a Lara em redes sociais, o uso indevido de veículos de comunicação e a manipulação da folha ponto dos funcionários que estavam trabalhando na campanha.
Em uma das conversas interceptadas com autorização judicial, uma secretária comunica ao motorista de Divaldo, em 3 de outubro, que suas férias se encerraram uma semana antes. O servidor, que sequer sabia estar em férias, é orientado a assinar o ponto a partir de 26 de setembro e alertado que "não poderia ser visto com o prefeito em campanha no horário administrativo".
O procurador salienta que, embora Lara não tenha pessoalmente praticado os fatos ilícitos, teria se valido do irmão. "Luis Augusto foi efetivamente beneficiado e tinha plena consciência de que durante a campanha havia ingresso de valores arrecadados ilicitamente para alavancar a sua candidatura", escreve Weber.
Eleito para o sexto mandato consecutivo, Lara foi o mais votado do PTB, com 56.396 votos. Sua melhor performance na eleição foi justamente em Bagé, onde colheu 20.836 votos (36% da sua votação total).
Ao pedir a cassação do mandato, o MPE sustenta que não se pode manter em cargo político agente que, "mancomunado de forma ilícita, arrebate a coisa pública na satisfação exclusiva de suas ambições pessoais". A relatora do processo, desembargadora Marilene Bonzanini, levantou sigilo de parte do caso e determinou a notificação do deputado e do prefeito para que apresentem defesa prévia.
Contrapontos
Luis Augusto Lara
Se manifestou por meio de nota na noite desta quarta-feira (27):
"Em momento algum fui ouvido ou convidado a me manifestar em juízo. Pela primeira vez terei a oportunidade de defesa sobre esses fatos caluniosos e de injúria que ligam a minha candidatura a esse enredo fantasioso. Vou apresentar judicialmente as provas de que não houve nenhuma irregularidade e buscarei o meu direito pelo dano moral.
Respeito as investigações e o devido processo legal, mas a judicialização da política se tornou estratégia de alguns partidos. Em função de interesses políticos locais, essa representação, apresentada inicialmente pelo PSOL ao Ministério Público Eleitoral, tenta construir um desgaste à minha trajetória. Tenho uma vida limpa.
Em mais de 25 anos de vida pública, sendo secretário de Estado por três ocasiões, nunca sofri qualquer apontamento ou condenação. A verdade será exposta e os fatos esclarecidos."
Divaldo Lara
Se manifestou por meio de nota enviada pelo advogado Felipe Brasil:
"As denúncias feitas ao Ministério Público Eleitoral (MPE) têm origem no PSOL, partido político aliado ao PT, nossos adversários que tudo têm feito para inviabilizar a administração do município de Bagé. Na representação apresentada pelo PSOL metade dos itens não foi, sequer, considerada pelo MPE. Trata-se de uma reprise do denuncismo dos adversários políticos que, inconformados com o resultado das urnas, buscam no Ministério Público eco para seu descontentamento, induzindo a instituição ao erro com acusações inverídicas, absurdas e criminosas.
Solicitei licença do cargo de prefeito durante a campanha eleitoral, afastando-me da Administração Pública, que ficou sob o comando do vice-prefeito Manoel Machado, do PSDB. Portanto, quando houve o pagamento do décimo-terceiro salário aos servidores municipais, eu não estava no exercício das atribuições de chefe do Executivo.
No entanto, a antecipação da gratificação natalina é ato administrativo que encontra amparo legal, prática comum em várias administrações do País.
Assim como, em semanas anteriores, existiu o risco de ficar comprometido o pagamento da gratificação, uma vez que a Prefeitura foi obrigada a quitar parcela milionária de empréstimo contraído em dólares americanos junto ao BIRD (Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento), ainda na gestão de Luiz Fernando Mainardi, do PT. Essa dívida somada ao comprometimento com precatórios representou um abalo considerável aos cofres públicos, gerando um quadro de incerteza com relação aos compromissos financeiros do Município.
No entanto, para o alívio de mais de quatro mil servidores públicos municipais, nossa gestão conseguiu antecipar a verba, que já sofria novas ameaças com a iminente possibilidade de sequestro nas contas do Município pelas dívidas dos precatórios, também herdadas de gestões petistas.
Sobre o turno único de trabalho, o Decreto 157 de 13 de Julho de 2018 continua vigente até hoje, e é inspirado em modelo adotado em administrações anteriores, como na gestão do ex-prefeito Dudu Colombo, do PT, que também instituiu o turno único através do Decreto nº 203 de 09 de Setembro de 2015, com objetivo de gerar economia aos cofres públicos.
O que ocorre agora se repete. Já enfrentei as mesmas acusações após as eleições de 2016, tendo a ação proposta pelo Ministério Público Eleitoral sido julgada improcedente pela Justiça Eleitoral, e tenho plena convicção de que, após o exercício da ampla defesa e do contraditório, a ação ora proposta terá o mesmo destino: o da improcedência!"
José Otávio Gonçalves
Foi contatado por telefone e por mensagens pela reportagem, mas não respondeu aos questionamentos.
Fabiano Marimon
Contatado pela reportagem por mensagem, disse que estava na estrada e que daria retorno mais tarde. Até as 21h desta quarta-feira (27), não respondeu aos questionamentos.
Aroldo Quintana
Não foi localizado pela reportagem. Foi deixado recado em um telefone celular que seria dele, mas não houve retorno.