O ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro esteve nesta quinta-feira (26) na residência oficial do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para defender que sejam devolvidos ao pacote anticrime pontos já derrubados pelo grupo de trabalho de deputados que estuda o projeto na Casa.
A ida do ex-juiz à casa de Maia ocorre um dia depois de o projeto sofrer nova derrota no grupo. Os parlamentares rejeitaram, por nove votos contra e cinco a favor, o trecho que previa uma ampliação do excludente de ilicitude que poderia livrar de punição agentes que cometessem excessos por medo, surpresa ou sob violenta emoção.
Nesta quinta, Moro, que qualificou como "boa" a conversa com Maia, defendeu "renovar o diálogo com os parlamentares". Ele disse ter expectativa positiva de alcançar com os congressistas denominadores comuns em relação ao projeto anticrime.
— Vamos verificar do projeto o que é possível eventualmente recompor, o que não tem essa viabilidade, e vamos tentar encontrar pautas comuns para que possamos avançar.
O ministro afirmou que é preciso um endurecimento pontual do atual código penal, como no caso de crimes hediondos com resultado morte.
Nesta semana, os deputados do grupo votaram a favor de trecho que previa progressão de regime mais rígida em crimes do tipo cometidos por reincidentes.
Maia, por sua vez, sinalizou que o texto final deve ser um meio termo entre a proposta do ministro e o documento final que o grupo deve entregar para apreciação no plenário da Câmara.
— Acho que o importante é a gente olhar o texto da comissão, dialogar com o ministro, ouvir os argumentos, por que ele colocou no texto inicial, e vamos ver se nós trabalhamos para um convencimento, para ter um texto médio entre o trabalho da comissão, que foi muito bem feito, e o que o ministro defende e foi retirado — disse o presidente da Câmara.
Na avaliação de Maia, é possível colocar a voto o projeto no plenário em breve.
— Vamos usar a próxima semana e a outra para a gente avançar nesse diálogo e, assim, colocar a voto. Acho que agora já foi o tempo necessário para o diálogo, de debate — disse.
A proposta de excludente de ilicitude derrotada no grupo de trabalho buscava alterar o artigo 23 do Código Penal, que delineia como causas de exclusão de ilicitude o estado de necessidade, a legítima defesa e o estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de direito.
O texto sugerido pelo ministro estipulava que o juiz poderia reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso do agente público ocorresse por "escusável medo, surpresa ou violenta emoção".
O tema voltou à tona após a morte da menina Ágatha, 8 anos, na última sexta-feira (20), no Rio de Janeiro. Ela foi baleada nas costas no Complexo do Alemão, zona norte do Rio. Os pais da menina acusam a polícia de ter feito o disparo e afirmam que, no momento em que ela foi atingida, não havia confronto armado no local.
Os deputados do grupo de trabalho também retiraram do pacote um trecho que alterava o artigo 25 do Código Penal, sobre legítima defesa.
A proposta de Moro estendia a possibilidade para agentes que, em conflito armado, prevenissem agressão a seu direito ou de outra pessoa.
O item foi suprimido e os parlamentares apoiaram um trecho que considera legítima defesa agente que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.
O trecho ainda pode voltar ao texto, no entanto. O documento final do grupo de trabalho será apresentado ao plenário da Câmara, onde poderá sofrer alterações. Depois disso, vai ao Senado. Se houver mudanças, volta para a Câmara para uma votação final. A seguir, vai a sanção ou veto presidencial.
Em caso de veto, o Congresso, em sessão conjunta da Câmara e do Senado, poderá derrubá-lo pela votação da maioria de seus integrantes.
Na terça-feira (24), o grupo votou a favor de emenda que endureceu as regras para progressão de regime de reincidentes condenados por crimes hediondos ou que resultem em morte. Os deputados também já incluíram no texto a figura do juiz de garantias, que instrui o processo mas não julga.
O magistrado vai ser responsável por receber a comunicação da prisão e o auto do flagrante para assegurar a legalidade da prisão, e deverá observar os direitos do preso, entre outras funções. Ele atuaria até a apresentação da denúncia. Depois disso, outro juiz assumiria e decidiria o resultado do julgamento.
O grupo também respaldou a criação do juiz sem rosto, que protege a identidade do magistrado envolvido em julgamentos de crimes cometidos por facções e milícias.
Outros pontos também estão no texto, como proposta que aumenta para 40 anos o tempo máximo de cumprimento de pena privativa de liberdade no Brasil, que constava originalmente no projeto de Moraes, mas não era tratado na proposta de Moro.
Os deputados também decidiram retirar do projeto de lei anticrime um dispositivo que permitia a execução de multas sem a sentença transitada em julgado.
O chamado projeto de lei anticrime é uma das principais bandeiras de Moro à frente do Ministério da Justiça. A proposta do ex-juiz da Lava Jato, no entanto, já foi desidratada no colegiado.
No início de agosto, o grupo de trabalho rejeitou a inclusão no texto do chamado "plea bargain" — acatou, no lugar, o acordo de não-persecução penal proposto pelo ministro Alexandre de Moraes (STF).
Em julho, a Casa já havia imposto outra derrota ao ministro de Jair Bolsonaro ao rejeitar a possibilidade de prisão em segunda instância, que também estava prevista no pacote.