Para além da discussão sobre o pacote anticrime e a excludente de ilicitude, reativada após o caso da menina Ágatha, no Rio de Janeiro, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, está atento a uma nova polêmica jurídica que pode se estabelecer do lado oposto ao seu ministério na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Trata-se de um assunto extremamente relevante e que precisa ser observado com lupa na próxima quarta-feira no plenário do Supremo Tribunal Federal.
O julgamento foi pautado pelo presidente do STF, ministro Dias Toffoli, nesta segunda-feira (23) e poderá desfazer ou anular uma série de condenações aplicadas pelos magistrados que conduziram a Operação Lava-Jato, investigação que colocou alguns dos políticos e empresários mais poderosos atrás das grades por desvios que sangraram os cofres públicos brasileiros. Entre os magistrados, está ele: o próprio ministro Moro.
Como informou GaúchaZH, o debate se iniciou na 2ª Turma do STF e está em torno das alegações finais. É que em 27 de agosto, o conjunto de ministros anulou, por 3 votos a 1, a condenação de Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil.
Na ocasião, ao anular a condenação de Bendine (que, aliás, foi aplicada por Moro), a 2ª Turma entendeu que o ex-presidente da Petrobras deveria ter tido mais tempo para se defender de acusações feitas por delatores julgados no mesmo processo.
No dia seguinte, após o caso, o ministro Edson Fachin, que vem a ser o relator da Lava-Jato no STF, remeteu caso semelhante para análise do plenário, para a apreciação do tema por toda a corte. É este julgamento que ocorrerá na próxima quarta.
A coluna consultou o procurador da República Douglas Fischer, que pontuou, entre outros elementos, dois aspectos a serem observados:
— A lei, quando diz que as partes apresentarão suas alegações finais, não diz que primeiro tem que ser o colaborador e depois o delatado; alguns dizem que o colaborador deveria falar antes porque o delatado deveria saber o que o colaborador vai falar. Mas o colaborador, nesta etapa, não junta prova nenhuma. Quem junta prova é o Ministério Público, e isso já está nos autos. Logo, o delatado já sabe sobre o conteúdo das provas, porque isso já está nos autos.
— É razoável se criar uma tese para que o colaborador fale antes? A lei não diz isso. Mas suponhamos que este seja o entendimento. Neste caso, isso não deve ser aplicado retroativamente. Vejamos. A lei diz que o interrogatório do réu é o último ato do processo, menos para crimes militares e lei de drogas. O que o STF fez? No habeas corpus 127.900, eles disseram: o interrogatório tem que ser o último ato do processo para todos os casos. Só que a lei diz o contrário. Então eles concluíram: "isso vai ser aplicado daqui pra frente". Porque existe uma regra do Código de Processo Penal, artigo 2, que diz que a lei aplica-se para frente e nunca para trás. Se vier uma lei hoje e disser, expressamente, que o delator tem que falar antes do delatado, se uma lei disser, isto não se aplica para trás. Logo, se não se aplica para trás, o STF não pode dar uma interpretação com efeitos retroativos, porque se não haveríamos de ter uma bola de cristal quatro anos atrás para adivinhar que o Supremo modificaria o procedimento que não está na lei.
Sendo assim, para o procurador, seria um equívoco o Supremo anular a sentença no caso Bendine:
— Esperamos que a coerência seja restabelecida, para o verdadeiro e efetivo devido processo legal — concluiu.