— Esse é meu passaporte norte-americano — mostrou o jornalista Glenn Greenwald aos presentes que, em ato a seu favor, lotaram o auditório da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no centro do Rio de Janeiro, na noite desta terça-feira (30).
— Esse passaporte me permite ir para o aeroporto a qualquer minuto e sair do país — continuou. — Eu não me importo com as ameaças que Bolsonaro fez contra mim. Eu não vou fugir desse país.
O site The Intercept Brasil, do qual Glenn é fundador, tem publicado desde 9 de junho reportagens com base em diálogos vazados do ministro da Justiça e da Segurança Sergio Moro e de procuradores da força-tarefa da Lava-Jato.
O presidente Jair Bolsonaro já afirmou que, em seu entender, Glenn cometeu um crime e que "talvez pegue uma cana aqui no Brasil".
Em entrevista antes do ato, o jornalista se disse ameaçado por Bolsonaro.
— Quando o presidente está te ameaçando por três dias consecutivos, usando seu nome como Jair Bolsonaro está fazendo contra mim, obviamente o risco é grande de eu ser preso. Nós sabemos isso todo o tempo — afirmou.
Em sua fala durante o evento na ABI, Glenn disse que estão tentando personalizar em torno dele as reportagens publicadas pelo site, enfatizando características como o fato de ser gay e estrangeiro. Ele afirmou que não participou da produção da maioria dos textos publicados pelo Intercept e que a equipe não está recebendo o crédito que merece.
O jornalista também agradeceu aos presentes e aos veículos de comunicação que atuaram em parceria com o site na publicação das reportagens, entre eles a Folha de S.Paulo.
— Nunca imaginei que eu fosse falar o que vou falar agora. Muito obrigado para a Folha de S.Paulo, para a Veja, BandNews, para o Reinaldo (Azevedo).
Ele afirmou que tem críticas à cobertura da Lava-Jato realizada por esses veículos, mas que agora eles também fizeram uma "autocrítica".
— A revista Veja admitiu que ficaram cinco anos construindo essa imagem do Sergio Moro, botando ele na capa sem críticas. E quando conseguiram ler os fatos, eles perceberam muito rápido que tudo que fizeram era errado. A máscara caiu por causa do jornalismo — disse Glenn.
Na última terça-feira (23), quatro pessoas foram presas em operação da Polícia Federal deflagrada contra hackers suspeitos de invadir celulares de autoridades. Um dos detidos, Walter Delgatti Neto, afirmou em depoimento que repassou mensagens que obteve a Glenn, de maneira anônima, voluntária e sem cobrança financeira.
O jornalista e o Intercept têm dito que não fazem comentários sobre suas fontes. Sobre sigilo da fonte, o artigo 5º da Constituição afirma: "é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional".
Estiveram presentes no ato artistas como Chico Buarque, Wagner Moura, Marcelo D2 e Camila Pitanga, advogados como Pierpaolo Bottini e Carol Proner, e políticos como os deputados federais Marcelo Freixo (PSOL-RJ) e Jandira Feghali (PC do B-RJ). Além, é claro, de Glenn e de seu marido, o deputado federal David Miranda (PSOL-RJ).
Em seu discurso, Miranda disse que Bolsonaro não sabe o que é a periferia ou passar fome.
— E agora ele vem ameaçar meu marido. Coitado do Bolsonaro.
Ele contou que uma das coisas mais difíceis que tem vivido é dormir longe de Glenn por algumas noites, quando está em Brasília.
— Do outro lado eles têm a barbárie. Nós temos o amor.
Chico Buarque, por sua vez, disse que as revelações mostram o quanto se armou por baixo dos panos para eleger o atual governo, com o apoio dos grandes órgãos de comunicação que fizeram do juiz Moro um herói.
"Quero prestar minha homenagem e solidariedade aos jornalistas do Intercept, especialmente a Glenn, pelas ameaças que vem sofrendo de Bolsonaro de pegar uma "cana" e do ministro Moro de ser deportado", afirmou.
Wagner Moura defendeu o jornalismo como pilar fundamental da democracia e disse que o momento é de solidariedade.
"Importante que sejamos solidários com todo jornalista que possa bater no peito e falar: 'Eu sou jornalista de verdade. Meu único compromisso é com a notícia, com o fato, com a verdade, e por que não dizer, com a justiça social'", afirmou.
A viúva de Marielle Franco, vereadora assassinada em março do ano passado em crime ainda não solucionado, Mônica Benício, também prestou solidariedade a Glenn. Ao final de sua fala, os presentes entoaram: "Por Marielle quero justiça, eu não aceito presidente da milícia".
A organização reproduziu, com auxílio de um projetor, o vídeo em que o presidente da Câmara, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), mostra apoio a Glenn. A iniciativa não foi bem recebida pelo público, que vaiou Maia ao início e ao final da gravação. "Para de dar voz para a direita!", gritava um manifestante.
O ato aconteceu sob gritos de "Lula livre" e "Ei, Bolsonaro, vai tomar no cu". Quando Glenn adentrou o auditório, os presentes aplaudiram efusivamente e entoaram: "Ih, fudeu, o Glenn apareceu".
Colaborou UOL