Crítica do presidente Jair Bolsonaro, Marina Silva diz que o Planalto ainda não fez o “dever de casa” e está mais preocupado em “manter-se no poder”. Ela seguirá na política, mas sem comprometer-se em concorrer à Presidência. A ex-senadora, que alcançou a terceira colocação em 2014, com 22 milhões de votos, ficou em oitavo lugar ano passado, com 1 milhão de eleitores, 1% do total. Com ela, GaúchaZH encerra a série de entrevistas em que candidatos de 2018 analisam o primeiro semestre do governo.
Qual é a sua avaliação sobre os primeiros seis meses do atual presidente?
Governo que não tem feito o dever de casa, mais preocupado em consolidar a base política para manter-se no poder do que enfrentar os reais problemas: o sofrimento de brasileiros desempregados, mal assistidos na saúde, na educação, na segurança pública, na moradia, nos transportes. Um governo que não ganhou em cima de um programa, e agora oscila entre o pode tudo e o não pode nada. Acena para o que há de mais atrasado no conservadorismo.
O que deveria ser priorizado no “dever de casa” do governo?
Estamos diante da situação em que capacidade de compreensão política e visão estratégica do país, e do que está acontecendo no mundo, faz parte do dever de casa. Infelizmente, não vejo isso no governo. Não vejo debate sobre os 13 milhões de desempregados. Como se a reforma da Previdência fosse uma panaceia e que, se aprovar (falta o segundo turno da votação na Câmara e apreciação no Senado), amanhã o Brasil entra no paraíso. Não é verdade. Os resultados são de médio e longo prazos. O Congresso tem tido papel importante em abrir para o debate da sociedade, coisa que nem Michel Temer, nem Bolsonaro resolveram fazer.
O que pode ser feito para gerar empregos?
As reformas são importantes e não só a da Previdência , mas a tributária também. É preciso enfrentar o problema da dívida pública, com olhar para a indústria das desonerações, para aqueles que não pagam suas dívidas e que ficam só esperando os Refis (programas de refinanciamento para devedores), feitos infinitamente. Não vamos sair da crise apostando na velha fórmula milagrosa do consumo das famílias. Para sair da crise, é preciso investimento público em setores estratégicos com planejamento, com agenda bem pensada de programas de infraestrutura.
A senhora destacaria algum ponto positivo do governo?
É muito difícil. É um governo que, inicialmente, era um presidente que falava alguma coisa e, depois, era desautorizado por auxiliares. Agora, temos um governo dividido em várias ilhas e que aposta mais nos conflitos da disputa do poder do que em priorizar questões importantes. O problema da segurança pública continua grave, gravíssimo, e agora com situação totalmente paradoxal: você, cidadão de bem que paga impostos, estão lhe dizendo que a saída para o problema da falta de segurança no comércio, em casa, na rua, é ter uma arma para se defender com as próprias mãos. É uma lógica que estimula mais violência e situação de caos em um país com quantidade enorme de pessoas assassinadas por ano.
A senhora já disse que o presidente precisa de um “intensivão de Constituição”. A democracia corre perigo?
A democracia brasileira está provando que vem sendo consolidada a duras penas, mesmo em situações de crises política, econômica, social e de valores. O Brasil é um país paradoxal. No momento em que você tem um presidente que não é afeito ao diálogo, ao debate e ao respeito às conquistas cidadãs, nunca tivemos um protagonismo tão grande do Congresso, que assume, em alguns momentos, a prerrogativa de fazer o debate. A luta democrática deve ter uma vigília não só nossa, mas do mundo.
Religiosos desfrutam de grande prestígio e influência sobre o presidente. Como a senhora vê a relação entre religião e política?
A gente não pode tratar evangélicos de forma homogênea, porque você vai ter cristãos católicos e evangélicos que estão com o governo. Mas existe grande quantidade (de religiosos) que têm visão crítica em relação ao governo e à forma como a fé deve se relacionar com a política. Somos um Estado laico que deve ser preservado, respeitado, cultivado. Deve favorecer quem crê e quem não crê. As pessoas não vão ser mais ou menos cristãs, porque uma lei civil as obriga a viver de acordo com os códigos do cristianismo.
O que teria de ser feito na área da educação?
É preciso investimento, sobretudo, na formação continuada dos professores. O mundo está em transformação. É preciso ter olhar para a educação que atualize o debate da revolução tecnológica que está acontecendo. A valorização econômica dos professores mal pagos. A reestruturação e equipamentos adequados para as escolas para que sejam espaços onde as crianças tenham o desejo de aprender e os professores tenham o desejo de ensinar, que valorize a educação infantil, a base de tudo. Educação de qualidade em todos os níveis. Não existe escolha de Sofia em educação.
Como o governo atua na área social e é possível melhorar?Onde o governo não está atuando, mas não atuar é uma forma de atuação, é a questão do desemprego. É preciso voltar a ter crescimento, emprego, renda para as pessoas, educação. Programas importantes de financiamento para pessoas de baixa renda que precisam ser reavaliados para terem melhor qualidade, e não serem apenas indústria de diploma. Manter programas de acesso ao ensino público gratuitos e de qualidade, mas ao mesmo tempo valorizando ganhos que tínhamos. A política de cotas para negros, índios, pessoas em situação de fragilidade social histórica. Há tentativa de desqualificar a luta de reforma agrária, que precisa ser qualificada. Incentivo a pequenas e médias empresas, que é o que gera a maioria dos empregos. Políticas sociais são combinações de serviços públicos de qualidade.
Como a senhora vê a atuação da oposição?
Não existe oposição homogênea. Qualquer pretensão de um grupo, de uma liderança, de um partido de ser o paladino da oposição, é desserviço a quem trabalha para que o país possa voltar a crescer, a se desenvolver com respeito às instituições, à tolerância, ao debate democrático. Uma oposição que não aposte nunca no quanto pior, melhor.
Qual é o futuro da Rede?
Mesmo tendo perdido dois senadores dos cinco que elegeu, ainda temos três (até ano passado, a Rede tinha um). O (portal) Congresso em Foco, que faz a premiação dos senadores e deputados mais atuantes, colocou os quatro parlamentares da Rede entre os indicados. Estamos com a representação que consolida, que tem identidade programática e tomamos a decisão de permanecer como partido mesmo não tendo atingido a cláusula de barreira. Essa reforma política (de 2018), feita para evitar partidos de aluguel, atingiu pequenos partidos, e só fortaleceu partidos que alugavam.
Marina Silva será candidata à Presidência em 2022?
Os eleitores brasileiros, de alguma forma, democraticamente, me desincumbiram da responsabilidade de ter de me colocar como candidata. Quando terminam as eleições, volto para minha agenda histórica de defesa do ambiente, dos direitos humanos, da educação. E vou continuar contribuindo com a política. Estou tentando ajudar a Rede para que possamos continuar sendo um partido criativo, produtivo, livre, relevante, como já é no Congresso. Há uma juventude que tem se interessado pela política e a Rede é um espaço para a inovação política.
Por que entrevistamos os ex-candidatos à Presidência?
1 - Na eleição de 2018, eles se colocaram como alternativa para presidir o país, apresentando projetos para o desenvolvimento e a solução de problemas do Brasil. Embora a maioria tenha escolhido Bolsonaro, os demais candidatos também receberam votos de parte da população. Eles têm legitimidade para analisar o atual mandato presidencial. 2 - Entrevistá-los sobre os seis meses de governo Bolsonaro ajuda a enriquecer o debate, apresentando novos pontos de vista, oferecendo novas perspectivas. 3 - No jornalismo, qualquer balanço de governo (federal, estaduais ou municipais) precisa contemplar as visões de quem está no poder e de quem está fora dele, dando aos nossos leitores elementos para formar sua própria opinião.
As entrevistas
Seis meses após o início do governo Bolsonaro, GaúchaZH publicou uma série de entrevistas com candidatos à Presidência em 2018.
8/7 – Alvaro Dias (Podemos)
9/7 – Ciro Gomes (PDT)
10/7 – Fernando Haddad (PT)
11/7 – Geraldo Alckmin (PSDB)
12/7 – Guilherme Boulos (PSOL)
15/7 – Henrique Meirelles (MDB)
16/7 – João Amoêdo (Novo)
17/7 – Marina Silva (Rede)
GaúchaZH tentou e não conseguiu contato com Cabo Daciolo.