Ex-presidente do Banco Central do governo Lula e ex-ministro da Fazenda de Michel Temer, Henrique Meirelles amargou desempenho pífio nas últimas eleições. Apesar de injetar R$ 54 milhões na campanha do próprio bolso, conseguiu 1,2 milhão votos, ou 1,2% dos válidos. Atual secretário da Fazenda de São Paulo, na sexta entrevista da série com candidatos ao Planalto, Meirelles avalia os seis primeiros meses do presidente Jair Bolsonaro.
Qual é a sua avaliação do atual governo?
Está em fase de aprendizado e de estruturação de equipe, de sistema de trabalho. Há líderes novos na política executiva, mas experientes na legislativa. Há ministros sem experiência de administração pública. Tudo isso leva a um tempo maior do que o usual para aprendizado e estruturação de trabalho. O fator novo no país é o protagonismo maior do Congresso, que começa pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), com aliança que está funcionando bem com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Temos agora uma ação bem mais assertiva e, de certa maneira, assumindo a liderança dos projetos, o que não é o sistema clássico brasileiro de coalizão. É um semiparlamentarismo. A reforma da Previdência está sendo liderada pelo Maia, a reforma tributária é iniciada no Congresso. Então, é estrutura nova de poder no Brasil e me parece positiva.
Por que o Legislativo assume esse protagonismo?
O que existe é a inexperiência e dificuldade maior com o trato legislativo. Por outro lado, há liderança no Congresso, o presidente da Câmara. Isso é conjugado com uma posição muito firme dele (Maia) em relação às reformas e com conhecimento de causa muito forte.
O mercado ainda não confia em Jair Bolsonaro?
Não é questão de confiança. Aliás, há visão de que ele está na linha correta, do ponto de vista econômico. Os ministros também, todos concordam com a linha liberal de privatização. Não há desconfiança sobre isso. A preocupação que houve é sobre a capacidade de implantação de tudo isso e agora, de novo, um maior protagonismo do Legislativo na aprovação das reformas. Isso pode ser retomado, com o Executivo adquirindo mais experiência.
A reforma da Previdência é suficiente para a economia?
É condição necessária, mas não o suficiente. É necessária para estabilizar a questão fiscal do país. Depois, precisamos da reforma tributária para organizar o sistema e dar maiores condições de produtividade à economia como um todo.
O senhor investiu R$ 54 milhões de recursos próprios na sua candidatura e não chegou ao segundo turno. Há arrependimento?
Não. Era um projeto que visava a levar uma série de mensagens importantes, e que são fundamentais ao país. Toda uma mudança de abordagem onde a maioria dos brasileiros via o governo como solução para tudo. Mostrar o que fiz como presidente do Banco Central por oito anos e como ministro (da Fazenda). Cinquenta milhões saíram da pobreza. É um projeto que deu certo e sinto que a população reconhece isso. Além do mais, esse projeto está sendo implementado. Acredito que a campanha foi, nesse aspecto, bem-sucedida.
O senhor ainda sonha em ser presidente da República?
Nunca sonhei em ser presidente. Tomei a decisão de me candidatar basicamente no último dia do prazo legal para isso, na descompatibilização do Ministério da Fazenda. Não tinha certeza se deveria me candidatar. Mas nunca existiu obsessão nesse sentido. Portanto, estou concentrado no meu trabalho atual. Em 2010, quando o então presidente (Lula) insistia para que eu fosse candidato, só tomei a decisão de não ser no último dia.
Qual é a sua visão sobre o ex-presidente Lula, com quem teve convívio próximo e chegou a ser ministro do governo petista, especialmente na questão sobre a condenação?
Acredito que a Justiça tenha de ser respeitada da maneira mais imparcial e baseada na lei. Acho que sobre as linhas de ação não nos compete discutir politicamente as decisões do Judiciário. Do ponto de vista pessoal, é uma situação triste, difícil, uma pessoa com quem se conviveu por vários anos. Tivemos boa convivência de trabalho, evidentemente, com posições políticas diferentes desde aquela época e posteriormente.
Qual é o papel de Paulo Guedes no Ministério da Economia? Ele é o fiador do governo junto ao mercado?
Tem papel relevante do ponto de vista da economia. É responsável pela formulação das propostas a serem enviadas ao Congresso, uma questão fundamental da economia brasileira. Agora que temos uma fase em que algumas propostas foram enviadas, o Congresso é quem vai decidir e passa a ser muito relevante a liderança do Rodrigo Maia. Na segunda etapa, da reforma tributária, temos uma situação diferente, porque o Ministério da Economia está preparando a proposta, mas existe também uma de iniciativa do próprio Congresso, em andamento. O importante é que as duas se complementem e que a questão seja resolvida.
Temos 13 milhões de pessoas que estão desempregadas no Brasil. O que deveria ser feito a curto prazo para gerar empregos?
Temos dois fatores a curto prazo que são relevantes. A confiança na economia, para que empresários possam investir. Eles precisam de previsibilidade. Investidor interno, externo, que vai fazer investimento na bolsa de valores, ou indústria, infraestrutura. Aí que entra o fato da reforma. Mas o importante é até que ponto os investidores aumentam seu nível de confiança, algo que permita que desengavetem seus projetos, construam fábricas, ampliem linhas de produção. Tudo baseia-se em confiança, que é relacionada ao crescimento da economia nos próximos anos.
Essa desconfiança não tem ligação com estabilidade política? Em seis meses, Bolsonaro demitiu quatro ministros e não comprometeu-se com questões importantes, como a inclusão de Estados e municípios na reforma da Previdência. Até que ponto esse desempenho afeta o mercado e a economia do país?
Aí tem uma questão de avaliação de cada empresário. O que interessa para eles, em última análise, é a aprovação das reformas da Previdência e a tributária, além de outras fundamentais. Se houver protagonismo importante, eficaz do Executivo, tudo bem. Inclusive, há fator novo no processo que é o protagonismo do Legislativo. Sendo aprovado e feito, não interessa muito, do ponto de vista econômico, quem fez, de quem é o mérito. O que interessa é o seguinte: o investidor ou empresário acredita que as reformas serão feitas, o país terá condições de crescer e o Banco Central cortar as taxas de juros?
O senhor vai continuar filiado ao MDB?
Sim.
Atualmente, o senhor exerce o cargo de secretário da Fazenda em São Paulo. Como está a relação com a o governo federal? A União pode ajudar os Estados?
Acredito que a União tem papel fundamental na ajuda aos Estados em dificuldade.
Como o Rio Grande do Sul, por exemplo?
É um exemplo. Em São Paulo, não há essa necessidade, mas os Estados em que os governadores herdaram uma situação fiscal difícil, é importante que haja ajuda da União.
Por que entrevistamos os ex-candidatos à Presidência?
1 - Na eleição de 2018, eles se colocaram como alternativa para presidir o país, apresentando projetos para o desenvolvimento e a solução de problemas do Brasil. Embora a maioria tenha escolhido Bolsonaro, os demais candidatos também receberam votos de parte da população. Eles têm legitimidade para analisar o atual mandato presidencial. 2 - Entrevistá-los sobre os seis meses de governo Bolsonaro ajuda a enriquecer o debate, apresentando novos pontos de vista, oferecendo novas perspectivas. 3 - No jornalismo, qualquer balanço de governo (federal, estaduais ou municipais) precisa contemplar as visões de quem está no poder e de quem está fora dele, dando aos nossos leitores elementos para formar sua própria opinião.
As entrevistas
Seis meses após o início do governo Bolsonaro, GaúchaZH começou no dia 8 série de entrevistas com candidatos à Presidência em 2018.
8/7 – Alvaro Dias (Podemos)
9/7 – Ciro Gomes (PDT)
10/7 – Fernando Haddad (PT)
11/7 – Geraldo Alckmin (PSDB)
12/7 – Guilherme Boulos (PSOL)
15/7 – Henrique Meirelles (MDB)
16/7 – João Amoêdo (Novo)
17/7 – Marina Silva (Rede)
GaúchaZH tentou e não conseguiu contato com Cabo Daciolo.