Novos vazamentos de diálogos entre integrantes da força-tarefa da Lava-Jato mostram que o coordenador das investigações, procurador Deltan Dallagnol, estaria planejando montar uma empresa para ganhar dinheiro com palestras. Junto com um colega do Ministério Público Federal, Dallagnol pretendia aproveitar a fama adquirida com a investigação. "Vamos organizar congressos e eventos e lucrar, ok? É um bom jeito de aproveitar nosso networking e visibilidade", teria escrito o procurador.
A reportagem do jornal Folha de S.Paulo deste domingo (14), feita em parceria com o site The Intercept Brasil, mostra supostas conversas de Dallagnol com o também procurador Roberson Pozzobon. Juntos, eles projetariam colocar as próprias mulheres no comando da empresa, de forma a camuflar a propriedade do negócio. Num dos diálogos, em 14 de fevereiro de 2019, Dallagnol sugere que a organização dos eventos ficasse a cargo de Fernanda Cunha, dona da firma Star Palestras e Eventos. Procuradores são proibidos por lei de gerenciar empresas, podendo apenas atuar como sócio ou acionistas.
"Só vamos ter que separar as tratativas de coordenação pedagógica do curso que podem ser minhas e do Robito (Pozzobon) e as tratativas gerenciais que precisam ser de Vcs duas, por questão legal", escreveu o procurador, num grupo criado junto com as esposas. Na sequência, ele aponta a possibilidade de a estratégia suscitar suspeitas. "É bem possível que um dia ela (Fernanda Cunha) seja ouvida sobre isso pra nos pegarem por gerenciarmos empresa", previu. Pozzobon então ironiza: "Se chegarem nesse grau de verificação é pq o negócio ficou lucrativo mesmo rsrsrs. Que veeeenham."
Para evitar questionamentos sobre a moralidade de procuradores ganharem dinheiro fazendo palestras, Dallagnol sugere doar parte dos cachês e manter um caráter benemerente na atividade. "Se fizéssemos algo sem fins lucrativos e pagássemos valores altos de palestras pra nós, escaparíamos das críticas, mas teria que ver o quanto perderíamos em termos monetários", comentou.
Antes de discutir a abertura da empresa, Dallagnol comentou com a mulher o lucro que vinha acumulando com as palestras. Em mensagem no chat, ele calculava ganhos de R$ 232 mil até setembro de 2018. No mês seguinte, projetou o balanço do ano. "Se tudo der certo nas palestras, vai entrar ainda uns 100k (R$ 100 mil) limpos até o fim do ano. Total líquido das palestras e livros daria uns 400k (R$ 400 mil). Total de 40 aulas/palestras. Média de 10k limpo", teria dito o procurador.
Dallagnol já foi questionado sobre a legalidade das palestras remuneradas. Os deputados Paulo Pimenta (PT-RS) e Wadih Damous (PT-RJ) denunciaram ao Conselho Nacional do Ministério Público suposta falta disciplinar, mas o caso acabou arquivado. O CNMP entendeu se tratar de atividade docente e apontou que parte dos recursos era destinada a instituições filantrópicas, conforme as alegações do próprio Dallagnol.
Procurados pela Folha, Dallagnol e Pozzobon afirmaram que não abriram empresa ou instituto de palestras em nome deles ou de suas esposas e que não atuam como administradores de empresas. Em nota enviada pela assessoria de imprensa da Procuradoria no Paraná, os integrantes da força-tarefa da Lava-Jato declararam que "não reconhecem as mensagens que têm sido atribuídas a eles" e que "esse material é oriundo de crime cibernético e não pôde ter seu contexto e veracidade comprovado".
A nota diz ainda que "é lícito a qualquer procurador, como já decidido pelas corregedorias do Ministério Público Federal e do Conselho Nacional do Ministério Público, aceitar convites para ministrar cursos e palestras gratuitos ou remunerados".