Ungido pela popularidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Haddad chegou ao segundo turno da última eleição Presidencial, alcançando 47 milhões de votos, 44,8% do total.
Na terceira entrevista da série com candidatos ao Planalto em 2018, em análise aos seis primeiros meses do governo de Jair Bolsonaro, o petista critica o atual presidente, os ministros da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, e do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, e pede a liberdade de Lula. Para as próximas eleições, sonha com ampla frente de esquerda, apesar das fissuras geradas no último pleito.
Qual é a avaliação sobre os seis primeiros seis meses do governo Bolsonaro?
Não há boas notícias desde a posse de Jair Bolsonaro. Há um quadro econômico que se agravou desde então, todas as projeções de crescimento de PIB estão sendo ajustadas para menos. As perspectivas para 2020 não são alentadoras. Educadores, ambientalistas, sanitaristas e especialistas em segurança pública estão muito preocupados com as iniciativas do governo, sem evidências científicas que devem amparar as políticas públicas. Não há sinal de que haja um plano, uma visão de futuro para o país. É calor todo dia, sobressalto em relação a declarações, brigas internas, bodes expiatórios criados a todo instante. Do ponto de vista retórico, você tem uma exacerbação do discurso que, mais do que manter, exagera o tom eleitoral.
No Congresso, a oposição não conseguiu se organizar para fazer o combate. Por quê?
Os partidos de oposição estão mais bem organizados hoje do que no final do ano passado. Não é simples, porque há as bancadas governistas, um centrão que não se posiciona ideologicamente e uma oposição consistente que, dependendo do tema, pode chegar a 150 votos, entre 513 deputados. O que é mais importante na (reforma da) Previdência é barrar a capitalização, que seria um golpe de morte na Previdência Social pública do país. Uma boa parte do Congresso já acordou para esse problema e, muito provavelmente, haverá grande resistência a essa proposta.
O Congresso está mais conservador e o governo é de direita. Como as esquerdas se reorganizam?
Mesmo nos áureos tempos, em que o governo Lula atingiu patamares expressivos de aprovação, superiores a 80%, quase o triplo do que o atual governo tem, as bancadas de partidos que considero progressistas nunca superaram a marca de 150 deputados. O que aconteceu na última eleição foi um esvaziamento do centro e da centro-direita, na direção da extrema-direita. Hoje, o cenário indica nova polarização no país. No Brasil, a centro-direita perdeu protagonismo. E hoje você tem oposição de centro-esquerda e situação de extrema-direita.
Qual o futuro a curto prazo do PT, que tem seu principal líder ainda preso?
Trabalhamos para compor um campo mais amplo. Estou escrevendo artigos com líderes de partidos progressistas, para criar no imaginário popular a sensação de que existe alternativa ao que está aí, democrática, que atende aos anseios das camadas populares. Em relação ao presidente Lula, existe uma compreensão de que (a prisão) é um caso de má-fé. Com a divulgação dos diálogos (da Lava-Jato), fica claro que havia ali uma torcida política, não era só questão jurídica. Quando um promotor fala que uma entrevista do Lula pode me favorecer eleitoralmente, sugerindo que deveria ser evitada, obviamente não estamos falando de direito, de lei. Acredito que o país, não sei com que ritmo, vai tomando consciência dos problemas, inclusive da delação do Léo Pinheiro (da empreiteira OAS), que foi a base para a condenação do Lula, uma delação negociada em termos políticos.
O Supremo Tribunal Federal, na volta do recesso, irá julgar a soltura de Lula?
Não posso estimar, prever o que vai acontecer. Aqui está todo mundo intimidado pelo governo, inclusive o jornalismo. Você tem uma política de perseguição de jornalistas críticos, intimidação de meios de comunicação, ameaças de morte no caso do Glenn (Greenwald, do site The Intercept Brasil) e sua família, uma situação autoritária.
Isso envolve o ex-juiz e atual ministro Sergio Moro?
A situação interna de polarização muitas vezes cega as pessoas, em função das paixões que estão em curso. Quando você vai aos formadores de opinião, lideranças intelectuais e sindicais de fora do Brasil, a compreensão sobre o que está acontecendo aqui é extraordinariamente maior.
Mas boa parte da sociedade comunga da frase do general Augusto Heleno, que houve muita roubalheira nos governos do PT. Como reverter essa ideia?
O general Augusto Heleno é uma triste figura que contribui para o acirramento no país, uma pessoa muito limitada do ponto de vista intelectual. É proposital a confusão entre o que aconteceu com os diretores da Petrobras, que já foram presos, punidos e tiveram seus bens bloqueados em comunhão com os empreiteiros, e a utilização disso para fins políticos. As empresas estão praticamente liquidadas, embora o patrimônio pessoal dos envolvidos tenha sido preservado e a própria liberdade deles, a maioria está cumprindo pena em casa.
É que tesoureiros do PT foram presos, Palocci foi preso, tem figuras do PT que também foram identificadas.
Me desculpe, mas isso não tem nada a ver com a Petrobras, em nenhum dos casos. Com exceção do João Vaccari Neto, que não apareceu nenhum centavo em conta dele ou familiar, e o próprio Sergio Moro disse que não havia evidência de vantagem pessoal. Nos outros casos, não tem nada a ver com a Petrobras nem com governo, porque você está falando de pessoas que deixaram o governo no primeiro mandato do Lula. Não há correlação entre essas duas coisas.
O PT não precisa, necessariamente, ser cabeça de chapa nas principais eleições?
A força que poderia ter concorrido para minha eleição e não o fez, ao contrário, foi o PSDB. Teve atitude pessoal do Ciro (Gomes), que aí não quero entrar no pormenor. Não partiu de mim qualquer recusa, pelo contrário. Mas, em termos de força política, o PSDB tinha três candidatos (a governador) no segundo turno. Três Estados que poderiam ter feito a diferença. Bastavam 5% a mais para eu ganhar a eleição. E esses três candidatos preferiram apoiar explicitamente o Bolsonaro. É um cálculo que acabou de sepultar as chances do PSDB de se apresentar como força política viável no país. O Bolsonarismo substituiu os tucanos no quadro nacional.
Bolsonaro já disse que concorrerá, João Doria também. O PT vai ter candidato?
Estamos longe de 2022. E que o Bolsonaro vai se candidatar à reeleição, nunca tivemos dúvida disso. Só os incautos acreditaram nas promessas de campanha dele.
E o seu destino? Ainda sonha em ser presidente da República?
Faço parte de um campo em que os projetos pessoais têm de estar sempre subordinados ao interesse maior de transformar o mundo para melhor, como a maneira como fui escalado ano passado para cumprir uma tarefa, e cumpri com muita determinação.
A gente vive uma onda de extrema-direita no Brasil. Até quando deve durar?
Espero que seja breve (risos). É muito ruim viver sob ameaças.
O senhor tem falado com Lula?
Tenho falado com frequência. A cada duas, três semanas.
Lula manda orientação para o partido?
Querida, não posso falar, sou advogado dele.
Por que entrevistamos os ex-candidatos à Presidência?
1 - Na eleição de 2018, eles se colocaram como alternativa para presidir o país, apresentando projetos para o desenvolvimento e a solução de problemas do Brasil. Embora a maioria tenha escolhido Bolsonaro, os demais candidatos também receberam votos de parte da população. Eles têm legitimidade para analisar o atual mandato presidencial. 2 - Entrevistá-los sobre os seis meses de governo Bolsonaro ajuda a enriquecer o debate, apresentando novos pontos de vista, oferecendo novas perspectivas. 3 - No jornalismo, qualquer balanço de governo (federal, estaduais ou municipais) precisa contemplar as visões de quem está no poder e de quem está fora dele, dando aos nossos leitores elementos para formar sua própria opinião.
As entrevistas
Seis meses após o início do governo Bolsonaro, GaúchaZH começou na segunda-feira (8) série de entrevistas com candidatos à Presidência em 2018.
Segunda-feira (8) – Alvaro Dias (Podemos)
Terça-feira (9) – Ciro Gomes (PDT)
Quarta (10) – Fernando Haddad (PT)
Quinta (11) – Geraldo Alckmin (PSDB)
Sexta (12) – Guilherme Boulos (PSOL)
15/7 – Henrique Meirelles (MDB)
16/7 – João Amoêdo (Novo)
17/7 – Marina Silva (rede)
GaúchaZH tentou e não conseguiu contato com Cabo Daciolo.