Se depender de Guilherme Boulos, a divisão entre partidos de esquerda que ocorreu na última eleição será contornada para a formação de uma frente única para disputas futuras. Na quinta entrevista da série de conversas com candidatos ao Planalto em 2018, em análise aos seis primeiros meses do governo, Boulos diz que a falta de unidade da oposição foi o que levou Bolsonaro à vitória. Concorrendo pela primeira vez à Presidência, teve o apoio de 617 mil eleitores, 0,58% do total.
Qual é a sua avaliação sobre o governo Bolsonaro?
Na verdade, temos um desgoverno. Bolsonaro ataca a soberania nacional. Falou em entregar a Base de Alcântara, em parceria com os americanos na Amazônia. Projetos que ameaçam direitos historicamente conquistados desde a Constituição de 1988, sejam trabalhistas ou com a Previdência. Dilacera o ambiente democrático, desrespeita as instituições, a oposição. Há tentativa de criminalizar os movimentos sociais, de apologia à violência. Até hoje, Bolsonaro se comporta como candidato e não como chefe de Estado. É um show de horrores aquele ministério. Foram seis meses de retrocesso.
Qual são as consequências de manter o clima de campanha?
Uma crise institucional permanente. Bolsonaro aposta em crise com o Congresso e com setores do Judiciário e da sociedade. Ele não dialoga nem com o eleitorado dele como um todo, mas com o núcleo extremista. Enquanto o Brasil está querendo saber de emprego, renda, recuperação econômica e do ambiente, ele está falando de golden shower no Twitter. O presidencialismo de coalizão, esse arranjo entre Executivo e Congresso para formar governabilidade, está esgotado. A vitória do Bolsonaro é produto de desilusão das pessoas com a política. Ele se apresentava como algo novo, mas não vem de fora da política. Bolsonaro vem do esgoto da política. Precisamos de profunda democratização, uma reforma política que acabe com o toma lá dá cá, com as relações viciadas de governabilidade entre Executivo e Legislativo, mas que faça isso com maior participação popular, com plebiscitos e referendos, por exemplo.
O STF deve retomar o julgamento que avalia a suspeição de Sergio Moro em agosto. Isso deverá ter algum impacto na condenação do ex-presidente Lula?
Moro não se comportou como juiz, mas como acusador. Perdeu todas as condições de permanecer no Ministério da Justiça e Segurança Pública, políticas e morais, se é que algum dia teve. O que saiu até agora mostra que Moro é suspeito e, se o Código de Processo Penal for aplicado, juiz suspeito que dá sentença leva à nulidade do processo. O processo do Lula é nulo. Lula tem de ser libertado imediatamente. É o mínimo para que se resgate algum grau de decência no Judiciário.
Como o senhor vê a questão da reforma da Previdência?
É uma reforma que retira direitos sociais. Bolsonaro construiu um marketing de que era para enfrentar privilégios. Não é verdade. Mais de 80% da dita economia vem do regime geral da Previdência, que tem média de aposentadoria de R$ 1,7 mil. Esses são os privilegiados que ele quer enfrentar?
O que é preciso fazer para recuperar a economia e a geração de empregos?
Essa turma perdeu toda a credibilidade. Não é o mesmo governo, mas é a mesma turma, que hoje diz que com a reforma da Previdência os investimentos vão acontecer, e que há três anos disse que com o teto de gastos os investimentos iriam acontecer. É a turma que, há dois anos, disse que se aprovasse a reforma trabalhista o emprego iria voltar. Se você adota a política de ajuste, qual é o resultado disso na economia? Se o Estado investe menos, gera menos emprego e movimenta menos renda na economia. O Estado arrecada menos, porque as pessoas consomem menos, e 51% de toda a arrecadação tributária brasileira é sobre consumo.
Qual sua opinião sobre a flexibilização da posse e do porte de armas?
Sou contra. O Estatuto do Desarmamento tem de ser preservado. Todas as pesquisas mostram que, apesar de termos crise grave na segurança pública no Brasil, essa crise só se aprofunda com mais armas. O grande problema a ser enfrentado é o do tráfico de armas e munições que, inclusive, parte do comércio legal. O que essa turma quer é transformar o Brasil em um bangue-bangue.
Quais são as principais ações para combater a violência?
Temos de atuar a partir de duas linhas. Uma de longo prazo, que é a prevenção, dar oportunidades. As regiões com maior índice de violência são aquelas com maior desigualdade social. Não queremos que o jovem tenha a primeira arma. Queremos que tenha o primeiro emprego, programas de integração comunitária, iniciativas culturais nas periferias urbanas. Agora, tem de ter um caminho também para o curto prazo. Passa pelo investimento em inteligência e integração. Não é tiro, porrada e bomba. O discurso pode até ser sedutor para quem está sofrendo com a violência, mas não resolve. Um exemplo: uma operação de inteligência para pegar milicianos que assassinaram a (vereadora) Marielle Franco, no Rio, apreendeu 117 fuzis, sem disparar um tiro. Em todas as operações de favela no Rio, nos últimos anos, não se apreendeu a mesma quantidade de fuzis.
Quais ações o PSOL adotaria na área da Educação?
O governo trata professor como inimigo. Esse governo é amigo de miliciano e inimigo de professor. Precisamos ampliar o nível de investimento em educação. Passa pela ampliação de vagas e a democratização no ensino superior e dos institutos federais, com política de cotas, com permanência estudantil. Fortalecer o ensino superior público, porque é onde tem pesquisa, extensão e que cria condições para o Brasil ter produção científica soberana e autônoma. Também precisamos melhorar as condições do ensino básico. Há um segundo debate que tem a ver com o sentido da educação no Brasil. Esse governo quer educação domesticada, que as pessoas aprendam na escola apenas a ler, escrever e contar. O jovem tem de ser educado para a vida, para a cidadania, de acordo com práticas, inclusive, reconhecidas internacionalmente, como são aquelas propostas de Paulo Freire.
E na área social, como seria a atuação?
A área social passa pela retomada decisiva de investimento público no Brasil, um dos países mais desiguais do mundo. Temos de aprofundar programas sociais com respeito ao trabalhador. O Brasil precisa de um plano de investimento massivo em cidades, em saneamento básico, em moradia.
Como o senhor vê a atuação da oposição atualmente?
A oposição tem buscado fazer aquilo que está a nosso alcance. No Congresso, temos uma oposição que é minoria, mas tem feito enfrentamentos de maneira muito digna. Temos oposição de rua, que está se reorganizando. A oposição precisa cumprir um papel mais forte, que não seja só de hashtag na internet. Que invista no diálogo com o povo. Temos um governo selvagem no Brasil, não podemos ter oposição dócil.
O senhor será candidato à Presidência em 2022?
Um dos erros que a esquerda cometeu e que nos levou a essa situação foi ter se pautado unicamente pelo calendário eleitoral. A esquerda tem de pisar no barro, tem de repactuar com o povo brasileiro. Sofreu uma derrota, tem de ter a humildade de reconhecer os erros. Ficar pensando na eleição de 2022, quem se comporta dessa maneira, me desculpe, não está à altura do desafio. Quero ganhar 2019 para depois pensar adiante.
Por que entrevistamos os ex-candidatos à Presidência?
1 - Na eleição de 2018, eles se colocaram como alternativa para presidir o país, apresentando projetos para o desenvolvimento e a solução de problemas do Brasil. Embora a maioria tenha escolhido Bolsonaro, os demais candidatos também receberam votos de parte da população. Eles têm legitimidade para analisar o atual mandato presidencial. 2 - Entrevistá-los sobre os seis meses de governo Bolsonaro ajuda a enriquecer o debate, apresentando novos pontos de vista, oferecendo novas perspectivas. 3 - No jornalismo, qualquer balanço de governo (federal, estaduais ou municipais) precisa contemplar as visões de quem está no poder e de quem está fora dele, dando aos nossos leitores elementos para formar sua própria opinião.
As entrevistas
Seis meses após o início do governo Bolsonaro, GaúchaZH começou na segunda-feira (8) série de entrevistas com candidatos à Presidência em 2018.
Segunda-feira (8) – Alvaro Dias (Podemos)
Terça-feira (9) – Ciro Gomes (PDT)
Quarta (10) – Fernando Haddad (PT)
Quinta (11) – Geraldo Alckmin (PSDB)
Sexta (12) – Guilherme Boulos (PSOL)
15/7 – Henrique Meirelles (MDB)
16/7 – João Amoêdo (Novo)
17/7 – Marina Silva (rede)
GaúchaZH tentou e não conseguiu contato com Cabo Daciolo.