Responsável por garantir atendimento médico e hospitalar a quase 10% da população do Rio Grande do Sul, o IPE Saúde sofre com falta de recursos e corre o risco de se tornar insustentável. Segundo levantamento próprio, até março, órgãos, autarquias e poderes do Estado deviam à entidade ao menos R$ 637,7 milhões devido a atrasos na contribuição patronal relativa a pensionistas.
Apontado como principal devedor, o Executivo também tem, segundo cálculos do instituto, R$ 180,9 milhões em pendências relacionadas à cota patronal de servidores ativos e inativos. O problema contribui para a condição deficitária do plano, que, em 2018, registrou insuficiência financeira de R$ 240 milhões. Outro reflexo é a demora no pagamento de parceiros, como médicos, hospitais e prestadores de serviços.
– É evidente que essa situação afeta o fluxo de caixa, por ser um volume de recursos considerável. No passado, conseguíamos pagar prestadores dentro de um mês, em média. Com a crise e o impacto da inflação do setor, o prazo teve de ser estendido. Estamos fazendo o possível para manter os pagamentos em 60 dias, cumprindo os termos de credenciamento. Em julho, vamos chegar a quase 70 – enfatiza o diretor administrativo-financeiro do IPE Saúde, Thiago Dapper.
A falta de verbas também vem impedindo, na avaliação de Marcos Rovinski, secretário-geral do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), o reajuste de procedimentos médico-hospitalares bancados pelo instituto.
– Há grande defasagem, que vem desde 2011. Esse passivo dificulta as negociações – diz Rovinski.
Com cerca de 1 milhão de beneficiários, entre servidores civis e militares ativos, inativos e pensionistas, o braço assistencial do Instituto de Previdência do Estado depende das contribuições obrigatórias para sobreviver. A maioria dos usuários colabora com 3,1% do salário mensal e o Estado deveria entrar com outros 3,1%.
Apesar disso, atrasos são registrados desde o início dos anos 2000 em alguns poderes. Entre eles, estão Tribunal de Justiça, Ministério Público e Assembleia Legislativa. A maior parte da conta se acumulou de 2015 para cá, recaindo sobre o Executivo (veja valores no gráfico abaixo).
Com a deterioração das finanças públicas e a impossibilidade de honrar todos os compromissos, os adiamentos se tornaram comuns. Embora o Tesouro do Estado venha fazendo aportes mensais na tentativa de cobrir os débitos, as dificuldades persistem, segundo o IPE Saúde.
A entidade encaminhou o levantamento ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) em maio. O material será alvo de análise e fará parte de futuras auditorias nos órgãos e poderes.
– Ainda estamos avaliando a situação, mas, sem dúvida, é uma questão que merece atenção, porque o IPE Saúde é vital para milhares de pessoas. Quem mais precisa dele são servidores que ganham menos, como professores e policiais – ressalta o auditor público externo Cristiano Castro Forlin, do TCE.
Nomeado na última quarta-feira para a presidência do IPE Saúde, Marcus Vinícius Vieira de Almeida diz ter como meta buscar a solução do impasse, negociando o parcelamento do saldo a receber. Órgãos e poderes já foram notificados.
– No que depender de mim, a questão será resolvida até o final do ano – assegura Almeida.
Passivo é prioridade, diz Casa Civil
Chefe da Casa Civil, Otomar Vivian afirma que o governo do Estado aposta no acordo com a União para reequilibrar as finanças e quitar as dívidas – entre elas o débito com o IPE Saúde, considerado uma das prioridades.
Ex-presidente do IPE, Vivian garante que o passivo não foi ampliado na atual gestão. Segundo ele, estão sendo mantidos os mesmos patamares de atraso da administração passada, com "média de quatro meses" de pendências.
– Reafirmamos o que o governador Eduardo Leite já disse: uma das prioridades é o resgate de passivos, dentre os quais, naturalmente, um dos mais importantes é o IPE Saúde – diz Vivian.
Poderes e órgãos divergem sobre valores cobrados
Órgãos e poderes apontados pelo IPE Saúde como devedores avaliam a legalidade da cobrança. O Tribunal de Justiça (TJ) e o Ministério Público (MP) reconhecem apenas parte do débito. A controvérsia tem fundo jurídico.
Em 2018, com a aprovação das alterações na estrutura do IPE, foi definido por lei que a contribuição patronal relativa a pensionistas seria responsabilidade dos "poderes ou órgão do Estado aos quais os extintos servidores e membros estavam vinculados". Antes dessa definição, não havia consenso.
Por conta disso, a Defensoria Pública declarou, em nota, que "a cobrança está sendo analisada em seus aspectos jurídicos (efetiva responsabilidade pelo débito) e materiais (em termos de valores)". Na Assembleia, o superintendente administrativo-financeiro da Casa, André Bloise Hochmüller, também disse que o caso está sob análise.
O mesmo se dá no Tribunal de Contas do Estado (TCE). Segundo a assessoria de comunicação, o TCE avalia "a juridicidade da cobrança retroativa, pois há dúvidas sobre a contribuição patronal definida mais recentemente em lei".
Já o MP declarou, em nota, que só reconhece "os valores registrados a partir de abril de 2018", data da lei, estimados em R$ 1,2 milhão. Conforme o MP, a cifra ainda está sendo validada e, quando confirmada, será "objeto de acerto".
O TJ, segundo o desembargador Túlio Martins, vice-presidente da Corte, tem o mesmo entendimento: confirma passivo de R$ 1,8 milhão e aguarda a emissão de guia por parte do IPE Saúde para quitar o débito.
Continuidade do plano preocupa funcionalismo
Em maio, a situação do IPE Saúde foi tema de audiência na Comissão de Segurança e Serviços Públicos da Assembleia. O encontro teve a participação de entidades como Cpers-Sindicato e Federação Sindical dos Servidores Públicos do Estado (Fessergs), que temem pelo futuro do plano e reclamam da precarização dos serviços.
– Desde a divisão do instituto, o que vemos é um total desprezo do Estado em relação ao IPE Saúde. Até a última semana, nem presidente tinha. O dinheiro em atraso é apenas um dos problemas – reclama o presidente da Fessergs, Sérgio Arnoud.
No primeiro semestre de 2018, a Assembleia Legislativa aprovou a reestruturação do Instituto de Previdência do Estado. Foram criados o IPE Prev, voltado especificamente para a gestão previdenciária, e o IPE Saúde, vinculado à área assistencial.
A separação ainda está em fase de consolidação e, devido à demora na definição da nova diretoria e do conselho administrativo, o processo é alvo de críticas.
Cronograma
Ao final da audiência pública realizada em maio, os deputados Jeferson Fernandes (PT) e Sebastião Melo (MDB) procuraram o chefe da Casa Civil, Otomar Vivian, para tratar do assunto. Um dos temas abordados foi o passivo.
– Sabemos das dificuldades financeiras e da impossibilidade de pagar tudo de uma vez, mas seria bom se o governo apresentasse um cronograma para regularizar esses valores. É importante ter essa clareza – defende Melo.