Após se aposentar, Neiva Massignam, 57 anos, contratou um plano de saúde individual. Pelo convênio, a moradora de Canoas, na Região Metropolitana, conseguiu realizar duas cirurgias desde 2015. Embora elogie a ampla cobertura de procedimentos médicos e odontológicos à disposição, conta que sentiu no bolso o impacto do reajuste superior a 10% neste ano.
– Até pensei em cancelar o contrato, mas não dá para ficar sem plano de saúde – afirma.
A queixa da aposentada reflete situação vivida por usuários no país. Mesmo com a inflação oficial comportada, a variação nos valores cobrados por planos individuais e familiares segue em nível próximo ao teto do reajuste estabelecido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Em março, enquanto o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu 2,68% no acumulado de 12 meses no país, o indicador referente aos convênios médicos chegou a 13,51%, aponta o IBGE. Ou seja, os planos de saúde avançaram cinco vezes mais.
Em Porto Alegre, a situação é similar. Os convênios médicos aumentaram 12,87% e o IPCA, 2,73% – o que representa 4,71 vezes – na mesma base de comparação.
Apesar de elevado, o aumento das operadoras não estoura o limite fixado no primeiro semestre de 2017 pela ANS, frisa a economista Denise Cordovil, do IBGE. À época, a agência autorizou reajuste nos planos individuais e familiares de até 13,55%, de maio de 2017 a abril de 2018. A correção é feita a partir da data de aniversário do contrato.
Presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), Reinaldo Scheibe diz que o reajuste superior à inflação geral é resultado de uma combinação de fatores. Nos últimos anos, segundo o dirigente, o setor ampliou o número de medicamentos e procedimentos oferecidos aos beneficiários. Com o maior uso de tecnologias na área, afirma, os valores dos convênios subiram.
E acrescenta que a maior expectativa de vida do brasileiro – subiu para 75,8 anos, informa o IBGE – também respingou nos preços.
– Quando a oferta de ressonância magnética se tornou obrigatória no país, por exemplo, os consumidores começaram a usá-la, e os preços cresceram. A sinistralidade tem impacto. Quanto mais o serviço é utilizado, maior o valor – comenta Scheibe.
Consultada por ZH, a ANS evita comparar o IPCA médio do país com a variação dos planos de saúde. A agência argumenta que o setor apresenta custos adicionais de operação, além de ter ampliado o uso de tecnologia: "a saúde suplementar não é impactada apenas pela demanda e oferta, como ocorre em outros setores econômicos".
Entidade vê falta de clareza em contratos
Além das opções individual e familiar, há também os planos coletivos, que representam maioria no mercado. Nessa modalidade,
os reajustes são definidos após a negociação direta entre as operadoras dos convênios e as empresas que contratam os serviços para seus funcionários, sem a regulação da ANS. Por não haver limite estabelecido, muitos planos tiveram correções superiores a 20%, segundo a advogada Ana Carolina Navarrete, pesquisadora da área de saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
– O reajuste máximo de 13,55% para contratos individuais também foi definido após o cálculo da média dos avanços dos convênios coletivos. As operadoras costumam argumentar que os gastos com saúde tendem a aumentar por conta do uso de novas tecnologias.
Mas é difícil analisar a veracidade dos reajustes. As operadoras não oferecem instrumentos para verificá-los. Há falta de clareza nos contratos – critica Ana Carolina.
Para Scheibe, é impossível definir um reajuste máximo para convênios coletivos. O presidente da Abramge ressalta que cada um desses planos tem características próprias, o que inviabilizaria a criação de um único índice:
– Um empresário pode, por exemplo, fazer um contrato para cem pessoas, das quais 70 são funcionárias e 30, dependentes. Com o tempo, ele pode dizer que não oferecerá mais o plano para as dependentes. Então, o contrato mudará.
Durante a crise, queda na quantidade de usuários
O número de beneficiários de planos de saúde, incluindo contratos individuais, familiares e coletivos, caiu em 2017 pelo terceiro ano seguido no país, segundo a ANS. Em dezembro, 47,3 milhões de pessoas mantinham os benefícios – recuo de cerca de 3 milhões em três anos. No Estado, a redução, no mesmo período foi de 70 mil em um contingente de 2,7 milhões.
– A queda no país está relacionada à alta do desemprego. Esperamos que depois da recessão o número volte a crescer – diz Reinaldo Scheibe, presidente da Abramge.
Durante a crise econômica, o número de reclamações relacionadas a planos de saúde cresceu, afirma a coordenadora-executiva da Associação de Defesa dos Usuários de Seguros, Planos e Sistemas de Saúde, Renê Patriota.
– De três anos para cá, as reclamações aumentaram, principalmente aquelas sobre reajustes de convênios coletivos. Muita gente está deixando de pagar plano de saúde – resume Renê.
Conforme a ANS, o novo reajuste dos contratos individuais e familiares deverá ser anunciado até o fim de maio. Scheibe projeta que a correção não passará dos atuais 13,55%, mas seguirá em dois dígitos.
Para a ANS, o financiamento dos serviços de saúde é um desafio que precisa ser debatido pela sociedade: "Diante de um cenário de custos crescentes e rápido envelhecimento populacional, a sustentabilidade do setor é um tema urgente".