
Mais polêmico rapper do Brasil na atualidade, o cantor Oruam se tornou pretexto para projetos de lei apresentados em vários Estados proibindo o uso de recursos públicos no financiamento de projetos culturais ou contratação de shows com suposta apologia ao crime e ao uso de drogas. No Rio Grande do Sul, há pelo menos duas iniciativas tramitando na Câmara de Vereadores de Porto Alegre e outras duas na Assembleia Legislativa.
Filho do traficante Marcinho dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, um dos líderes da facção Comando Vermelho, Oruam fala em suas músicas sobre armas, sexo e a vida nas comunidades do Rio, tema presente em grande parte das letras de rap, funk e trap.
O rapper é autor da música mais ouvida no Spotify no Brasil em janeiro (Oh Garota Eu Quero Você Só Pra Mim), plataforma onde acumula 10 milhões de ouvintes mensais. Oruan pouco conviveu com o pai, preso em 1996, cinco anos antes de ele nascer, mas em 2024 pediu a liberdade de Marcinho durante show no festival Lollapalooza.
Por que Oruam foi detido
Amigo de celebridades do esporte e da música, no mês passado Oruam foi detido duas vezes. Uma ao escapar de uma blitz, no que depois se revelou uma ação de marketing para divulgar seu novo disco, no qual há uma música chamada Lei Anti-Oruam, e outra por abrigar em sua casa um foragido da Justiça.
O que é o projeto de lei “anti-Oruam”
Os projetos de lei protocolados no Rio Grande do Sul foram inspirados na chamada lei “anti-Oruam”, proposta em São Paulo pela vereadora Amanda Vettorazzo (UB). Integrante do Movimento Brasil Livre, Amanda criou o site leiantioruam.com, no qual dá suporte a vereadores e deputados Brasil afora que queiram sustentar iniciativas semelhantes. Até agora, já surgiram projetos em 12 capitais.
Propostas na Câmara de Porto Alegre
Em Porto Alegre, os textos são de autoria das vereadoras Fernanda Barth (PL) e Mariana Lescano (PP). Ambos impedem a prefeitura de contratar “shows, artistas e eventos abertos ao público infantojuvenil que envolvam, no decorrer da apresentação, expressão de apologia ao crime organizado ou ao uso de drogas”.
Como foi apresentado cinco dias antes, o texto de Fernanda terá prioridade na votação na Câmara. Em decisão tomada semana passada, a Diretoria Legislativa devolveu o projeto de Lescano, considerado prejudicado porque já havia proposta praticamente idêntica tramitando na Casa.
Em parecer prévio, a Procuradoria Jurídica da Casa considerou o projeto de Fernanda Barth inconstitucional. Na análise, o órgão cita o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Europeu de Direitos Humanos para justificar que o texto fere a liberdade de expressão e configura censura, além de ser “de questionável interesse local”. Todavia, a palavra final sobre a legalidade da proposição será da Comissão de Constituição e Justiça.
Fernanda pretende apresentar uma emenda ao projeto estendendo as proibições à apologia de violência à mulher.
Não é um projeto de censura. Liberdade de expressão é algo muito caro para mim. É um projeto de moralidade no uso do dinheiro público para eventos e shows infantojuvenis.
FERNANDA BARTH
Vereadora (PL)
A vereadora diz que já tem os votos necessários à aprovação da medida. Segundo Fernanda, caberá à Secretaria Municipal de Cultura fiscalizar a aplicação dos recursos destinados ao público infantojuvenil, com uma verificação prévia dos artistas contratados.
Procurada, a prefeitura diz que não vai se manifestar porque o projeto ainda está sob análise dos vereadores e não foi aprovado.
Na Assembleia Lesgilativa
Na Assembleia Legislativa, a iniciativa partiu do deputado Guilherme Pasin (PP). Protocolado em 20 de fevereiro, o texto proíbe aplicação de recursos do programa Pró-Cultura em projetos culturais que envolvam apologia “à criminalidade ou ao cometimento de ilícitos penais, ao uso de drogas e substâncias ilícitas e a quaisquer conteúdos de cunho sexual ou erótico que remetam à exploração e abuso de crianças e adolescentes”.
Conforme previsto no projeto, em caso de eventual descumprimento implicará em devolução dos recursos. Procurado, Pasin não atendeu os telefonemas da reportagem na quarta-feira (5). Em manifestação na Assembleia, o deputado disse que apresentou o projeto de lei em resposta a Oruam.
Defendo plenamente a liberdade. No entanto, como estamos lidando com recursos públicos, acredito que não é adequado utilizá-los para promover ou incitar crimes, ou ainda para estimular o uso de drogas.
GUILHERME PASIN
Deputado estadual (PP)
O texto é semelhante a de outro projeto de lei, protocolado em 13 de fevereiro, pelo deputado Gustavo Vitorino (Republicanos). O parlamentar estende as restrições, incluindo entres temas proibidos nas letras suposta apologia ao "sexo explícito, ao desrespeito religioso e à dignidade humana".
A matéria prevê que os organizadores de eventos financiados por recursos públicos terão de apresentar declaração de conformidade com as regras, sob pena de responder criminalmente por eventuais infrações, devolver a verba e ainda pagar multa.
O objetivo é reforçar o compromisso do Estado com a promoção da paz e da ordem pública, garantindo que a cultura e a arte, financiadas com recursos públicos, estejam alinhadas aos valores de respeito à dignidade e à liberdade de expressão, sem ferir direitos e garantias coletivas.
GUSTAVO VITORINO
Deputado estadual (Republicanos)
Transparência no uso dos recursos
Ainda no escopo das leis "anti-Oruam", tramitam na Assembleia Legislativa e na Câmara de Vereadores da Capital dois projetos idênticos, todavia sem proibição ao uso de recursos públicos. De autoria da vereadora Vera Armando (PP) e do deputado Capitão Martim (Republicanos), os PLs estabelecem regras mais rígidas na divulgação do financiamento aos eventos com patrocínio estatal.
Conforme os textos, passa a ser obrigatório a exposição do número do contrato firmado, o valor, o nome das partes contratantes e a data de realização de todo evento realizado ou patrocinado pelo poder público. As punições previstas vão desde advertência e multa à devolução dos recursos e impedimento de receber novas verbas públicas por cinco anos.