O governador Eduardo Leite dá nesta terça-feira (23) um passo decisivo em seu programa de ajuste fiscal ao colocar em votação na Assembleia Legislativa a proposta que retira da Constituição do Estado a exigência de plebiscito para privatizar a CEEE, a CRM e a Sulgás. Considerada fundamental para permitir a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal da União e garantir a suspensão por três anos do pagamento da dívida com o governo federal, a medida deve ser aprovada com 40 votos favoráveis e 13 contrários. Como se trata de uma proposta de emenda à Constituição (PEC), são necessários no mínimo 33 votos a favor para aprovação.
A vantagem no placar foi garantida por Leite com a formação de uma ampla base de apoio na Assembleia, composta por 13 partidos. Oficialmente, o governo tem 40 votos, mas o Piratini conta ainda com o apoio dos dois deputados do Novo, o que amplia o teto para 42 votos. As defecções se resumem ao presidente da Assembleia, Luís Augusto Lara (PTB), que só vota em caso de empate, e a Any Ortyz (Cidadania), em licença-maternidade.
— Estamos muito confiantes no resultado, fruto de uma atitude do governador que desde o fim da eleição trabalhou para construir uma base ampla e unida. Esperamos que essa base agora demonstre claramente os rumos que quer dar ao Estado — disse o chefe da Casa Civil, Otomar Vivian.
Apesar da vitória garantida para o governo, não será uma sessão tranquila. Em conversas reservadas, a oposição admite a derrota, mas pretende se revezar em discursos na tribuna para pelo menos arrastar a votação até o início da madrugada. Os partidos também contam com presença maciça de servidores e sindicalistas nas galerias do plenário, fazendo pressão contra a venda das empresas.
— Vamos estar mobilizados desde o início da manhã para protestar contra a venda do patrimônio do Estado. A Sulgás é lucrativa, a CEEE não dá lucro porque foi fatiada no passado. O governo está vendendo o almoço de hoje para pagar a janta de ontem. É um absurdo — reclama o presidente da Federação Sindical dos Servidores Públicos do Estado (Fessergs), Sérgio Arnaud.
Para garantir uma presença equânime nas galerias entre apoiadores da privatização e ativistas contrários à medida, a direção da Assembleia irá distribuir 260 senhas na manhã desta terça. Serão 130 lugares destinados à liderança do governo e outros 130 para as entidades sindicais. Um telão será instalado na rua, onde a Brigada Militar irá reforçar o policiamento para evitar confrontos.
No governo, a estratégia para a votação será definida em café da manhã oferecido por Leite às 8h30min, no Galpão Crioulo do Palácio Piratini. Além dos deputados da base aliada, também foram convidados e confirmaram presença os dois parlamentares do Novo.
A orientação dos articuladores políticos do Piratini é deixar a oposição falar sozinha, evitando rebater provocações. O governo, porém, admite que há parlamentares dispostos a usar a tribuna, principalmente alguns que exercem o primeiro mandato ou de partidos recém-chegados à Casa, como o PSL, o Novo e o DEM.
Como se trata de uma mudança na Constituição, o texto precisa ser aprovado em dois turnos, com intervalo de três sessões entre as votações. Há margem para uma manobra, com a realização de três sessões em um único dia, o que poderia abreviar o trâmite do texto. O governo, porém, prefere cumprir à risca o regimento, sem atropelos. Dessa forma, a nova votação ocorrerá somente em duas semanas, em 7 de maio.
Articulação da oposição
No final da tarde de segunda-feira (22), Lara anunciou que havia barrado a tramitação de um projeto de decreto legislativo de iniciativa popular a favor do plebiscito. Proposto por partidos de oposição e com base em 84 mil assinaturas colhidas por entidades sindicais, a proposta não foi aceita sob justificativa de que somente a Mesa ou um terço dos deputados poderiam apresentar matéria semelhante.
Para tentar adiar a votação da PEC, a oposição entrou na Justiça com um mandado de segurança liminar. O pedido foi protocolado às 21h43min de segunda-feira pelas deputadas Luciana Genro (Psol) e Juliana Brizola (PDT), com o ex-deputado Pedro Ruas (Psol), e será analisado pelo desembargador Leonel Olweiller.
No pedido, a oposição argumenta que a PEC "busca, assim, retirar do povo gaúcho o direito de se manifestar sobre a matéria pela via da democracia direta, passando a decisão da população para o plenário do parlamento, instância considerada inferior pela estrutura constitucional."