A maioria dos gabinetes ministeriais vivenciava uma certa calma na quarta-feira, 20 de fevereiro. Mas não o do general Carlos Alberto dos Santos Cruz, secretário de Governo (com status de ministro). Paramentado com cocares e miçangas, um grupo de uma dezena de índios de etnias diferentes, do norte do Mato Grosso e do sul do Pará, comparece para uma audiência com o militar. Junto estão prefeitos da região.
Os 15 minutos previstos duram 45. Os indígenas pedem algo prosaico, mas decisivo na sua rotina: permissão para pesca turística em rios da região, vetada pelas autoridades ambientais enquanto não são concluídos estudos de impacto. O ministro escuta atento e promete interceder para que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) acelere a análise.
Naquele dia, além dos indígenas, foram ao gabinete pessoas ligadas ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a assuntos fundiários. Receber integrantes desses órgãos é apenas uma das cinco funções exercidas por Santos Cruz, 66 anos, gaúcho de Rio Grande, desde que virou homem forte do governo Bolsonaro.
No guarda-chuva da Secretaria de Governo estão a Secretaria de Articulação Social (essa que lida com ONGs ligadas a terra, questões indígenas e ambientais, entre outras), a Secretaria de Assuntos Federativos (que leva uma fila de prefeitos e governadores à porta do gabinete ministerial, todos os dias), a Secretaria de Comunicação (encarregada de contratos do governo e da Empresa Brasileira de Comunicação, a EBC), e o ambicioso Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), com orçamento previsto de R$ 252 bilhões e responsável pelas concessões de obras para a iniciativa privada. Um dos projetos, por exemplo, é a concessão das BRs 101, 290, 386 e 448 do Rio Grande do Sul, já em andamento.
Essas funções não têm relação entre si, admite o próprio Santos Cruz. Na realidade, embora não goste da comparação, o general virou uma espécie de Bombril, um ministro multiuso. Ele e Bolsonaro se conhecem há mais de 40 anos, de tal forma que seu nome surgiu ao natural na composição do ministério. Pesou também a cultura do general, um globe-trotter, que domina o inglês e entende alguma coisa de russo (foi adido na Rússia), entre outros idiomas.
Rotina inclui 14 horas diárias de trabalho
No dia em que recebeu a reportagem de GaúchaZH, preparava uma ida ao Quênia, onde deu palestra para outros militares a convite da Organização das Nações Unidas (ONU).
Santos Cruz nem precisaria virar ministro para abrilhantar sua carreira, uma das mais vitoriosas das Forças Armadas. Foi comandante das tropas da ONU no Haiti, onde chefiou mais de 7 mil militares, e no Congo, em plena guerra civil daquele país (onde comandou 29 mil "capacetes azuis"). É um dos raros militares brasileiros com experiência real de combate. O helicóptero que usava foi alvo de disparos mais de uma vez na África. O general mandou revidar tiros contra os guerrilheiros que o atacaram. Trouxe para o governo o hábito de decisões rápidas.
Homem de raros sorrisos, Santos Cruz se solta mesmo quando é para falar do clube do coração, o Internacional. Não tem conseguido assistir ao time. A rotina no terceiro andar do Palácio do Planalto lhe consome, em média, 14 horas diárias de trabalho. Dorme pouco e continua a se exercitar — foi atleta de pentatlo no Exército, assim como Bolsonaro.
O que ele pensa
Reestruturação da EBC
A Empresa Brasil de Comunicação (EBC) tem duas emissoras de televisão e oito de rádio e Santos Cruz promete rever isso. São 1,7 mil servidores e não está quantificado quantos serão demitidos, mas o ministro avisa: aquilo que não for fundamental, fecha.
— Vamos ver se é o necessário ou pode ser reduzido. Agora, para fazer redução, vai ter de respeitar a legislação e os funcionários — afirma.
Movimentos sociais
De acordo com Santos Cruz, há de tudo no universo das organizações não governamentais (ONGs):
— Existe organização milionária, sem que a gente saiba como esse dinheiro foi parar lá. Tem ONG séria. A porta de entrada do governo está aberta para elas e para outras entidades da sociedade civil. Pode vir MST, ONGs, representantes dos gays, OAB, índios, todos. Só que não pode confundir liberdade com crime. Invadir propriedade é crime, só para lembrar aos desavisados.
PPI e contratos bilionários
O Programa de Parceria de Investimentos (PPI) já concluiu 123 projetos de concessão e a estimativa de aportes neles, ao longo da validade dos contratos, é de R$ 252 bilhões. Um dos próximos passos é dar continuidade a uma rodada de concessões — de 12 aeroportos, quatro portos e uma ferrovia — iniciadas no governo passado e com leilões previstos para março. A expectativa é de que sejam atraídos até R$ 7 bilhões nesses projetos.
Prefeitos e governadores
— Passam por aqui, no gabinete, pedidos, elogios, sugestões de emendas. Cabe à gente fazer alguma coordenação, com a área política, com os ministérios. Verificar convênios que foram celebrados e não realizados, o que aconteceu com os recursos parados. Ajudar a fluir — afirma.
Relação com parlamentares
— Cabe mais ao ministro Onyx Lorenzoni (chefe da Casa Civil). Ele tem uma vida como parlamentar. Posso ajudar a receber, mas o contato partirá dele — diz.
Obras faraônicas
Santos Cruz é um dos grandes críticos de obras faraônicas e cita como péssimo exemplo as construções e ampliações de estádios, feitas para a Olimpíada e Copa do Mundo no Brasil. Ele e o ministro Sergio Moro (Justiça) são favoráveis à ampla revisão e investigação dos gastos feitos nesses empreendimentos.
Confiança de Bolsonaro
Crise com a Venezuela? Santos Cruz é chamado por Bolsonaro. Crise com ministro? Buscam seu conselho. Intrigas na mídia? Lá vai Santos Cruz opinar. Nos 15 minutos de papo com ZH, aterrissaram inúmeras mensagens de Bolsonaro no celular do militar. De onde vem tamanha confiança? Santos Cruz admite que sua personalidade é semelhante à do presidente:
— A gente tem uma característica similar: dizer as coisas na lata. Mostrar o que pensa. Somos amigos desde os 25 anos, fizemos atletismo juntos. Natural que surja afinidade.