
A guerra jurídica deflagrada no final de janeiro, quando morreu Genival Inácio da Silva, o Vavá, 79 anos, irmão mais velho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não se repetiu desta vez. Em janeiro, a Polícia Federal (PF), o Ministério Público Federal (MPF), e a Justiça Federal no Paraná negaram pedido de Lula para se despedir do irmão. Na sexta-feira (1º), as mesmas instituições acolheram a solicitação do ex-presidente de participar do velório e da cerimônia de cremação do neto Arthur Araújo Lula da Silva, morto ao sete anos, vítima de meningite.
Por que mudaram de entendimento?
— Era previsível. A Lei de Execução Penal prevê saída de preso nesses casos. A Justiça Federal não tinha outra decisão a tomar que não fosse a de autorizar o ex-presidente a ir ao enterro, obedecendo a um precedente do STF (Supremo Tribunal Federal) — avalia Gilson Dipp, ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça e ex-corregedor nacional de Justiça.
Dipp se refere à ordem do presidente do STF, Dias Toffoli, que, em janeiro, decidiu pela liberação de Lula para ir ao encontro de familiares em uma unidade militar em São Paulo, com a possibilidade de o corpo de Vavá ser levado até o local onde o ex-presidente estaria. Alvo de críticas, a decisão de Toffoli foi tomada quase na hora do enterro, e Lula desistiu de deixar a carceragem da PF em Curitiba, onde está preso dede abril de 2018.
Para Dipp, PF, MPF e a Justiça Federal no Paraná desejariam manter Lula encarcerado, mas as dificuldades operacionais alegadas em janeiro já não se justificariam mais.
— Não era intenção de soltar. Os motivos, certamente seriam os mesmos, mas prevaleceu o bom senso e a hierarquia jurídica —pondera.
O ex-ministro do STJ lembra que a decisão de Toffoli, ainda que tardia, estabeleceu uma norma que não poderia ser ignorada.
— O STF teve precedente idêntico. Se não fosse aplicado agora, seria a desmoralização do sistema hierárquico. O STF não teria mais influência em decisões de primeiro grau.
Questionado sobre o fato de a morte surpreendente de uma criança ter sensibilizado as autoridades, Dipp diz acreditar que, de certo modo, influiu subjetivamente na decisão.
— Seria muita coisa privar o Lula pela segunda vez de ir ao enterro de um parente tão próximo — acrescenta o ex-ministro.
O advogado criminalista e professor universitário Lúcio de Constantino acredita que, dessa vez, a PF tinha um plano de ação organizado, o que não dispunha em janeiro.
— Naquela época, a Justiça não teria condições de atender o pedido de liberação conforme solicitado pela defesa de Lula. Seria uma questão estrutural. Foi consultado a PF, que se preocupava com uma eventual atentado contra Lula ou mesmo resgate. Não haveria um plano para evitar isso. Acredito que desde então, a PF montou uma estratégia para uma próxima situação e por isso, agora, houve a liberação — avalia Constantino.
A reportagem de GaúchaZH tentou neste sábado (2) contato por telefone e enviou e-mails para as assessoria de comunicação da PF, do MPF e da Justiça Federal no Paraná. Apenas a assessoria do MPF respondeu, informando que a posição do órgão não poderia ser divulgada, pois o processo está sob sigilo nível 4 (um dos mais elevados) desde a sexta-feira (1º).
ENTENDA O CASO:
— Em 29 de janeiro, Genival Inácio da Silva, o Vavá, 79 anos, irmão mais velho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, morreu, vítima de câncer no pulmão.
— Advogados solicitaram a liberação de Lula para comparecer ao enterro, em São Bernardo do Campo (SP).
— A Superintendência da Polícia Federal (PF), em Curitiba, onde Lula cumpre pena por crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, alegou que não seria possível providenciar deslocamento a São Paulo a tempo de ele participar do enterro por questões de segurança. A PF sustentou que faltariam agentes para o serviço de segurança e que o transporte teria de ser de helicóptero, entretanto, as aeronaves da corporação estariam todas em Brumadinho (MG), ajudando a localizar vítimas do desmoronamento de uma barragem.
— O Ministério Público Federal (MPF) se manifestou contra a liberação sob argumento de que Lula não é um preso comum e a logística para realizar a escolta dependeria de um tempo prévio de preparação.
— A juíza federal Carolina Lebbos, responsável pela execução da pena, acolheu parecer do MP e da PF, negando a saída de Lula.
— Advogados de Lula recorreram ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre, mas o pedido também foi rejeitado.
— Um outro recurso da defesa de Lula chegou ao STF. O presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, autorizou Lula a deixar a carceragem a PF em Curitiba para ir ao sepultamento do irmão 20 minutos antes do sepultamento, em 30 de janeiro. A ordem permitia apenas o encontro de Lula com parentes em uma unidade militar da região, sem direito a filmagens ou declarações públicas. O corpo de Vavá poderia ser levado ao local, mas Lula desistiu da viagem porque não chegaria a tempo de se despedir do irmão.
— Na sexta-feira (1º), Arthur Araújo Lula da Silva, sete anos, um dos netos de Lula, morreu vítima de meningite meningocócica, em Santo André (SP). Lula solicitou permissão para ir ao velório e à cremação do menino e foi atendido com posição favorável da PF, do MPF e da Justiça Federal em Curitiba, sem necessidade de recorrer a instâncias superiores.
— Neste sábado (2), Lula foi levado da carceragem da PF até o aeroporto de Bacacheri, em Curitiba, em um helicóptero da Polícia Civil paranaense. Depois, viajou em um avião cedido pelo governo do Paraná até Congonhas (SP). Dali, foi levado de helicóptero da PM paulista para São Bernardo do Campo.