Onze dias depois de negar o pedido do governador Eduardo Leite (PSDB) para que reconsiderasse a ameaça de sequestro de valores do Estado para a quitação de precatórios, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ) bloqueou, nesta sexta-feira (8), R$ 157 milhões do Tesouro estadual. Criticada por Leite, a medida foi tomada porque o repasse mensal feito pelo governo para o pagamento dos títulos – cuja dívida passa de R$ 15,1 bilhões – ficou abaixo do exigido pelo Judiciário.
Com a retenção, o calendário anunciado pelo governador para honrar os salários de janeiro dos servidores do Executivo poderá sofrer alterações.
— É lógico que a decisão abala a condição de planejamento do Estado. Nossa equipe está trabalhando para ver como isso atrapalha o pagamento — afirmou Leite, em entrevista ao programa Gaúcha Mais, da Rádio Gaúcha.
Diante do impasse, segundo o governador, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) deverá entrar como recurso no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar reverter a situação. Na avaliação de Leite, a crise financeira do Estado só será revertida com a colaboração de todos os setores.
— Lamentamos que a Justiça não tenha se sensibilizado — declarou Leite.
Em vídeo publicado na tarde desta sexta-feira (8) em sua conta pessoal no Facebook, ele contou ter sido surpreendido pelo anúncio do sequestro e fez um desabafo.
— O Rio Grande do Sul tem um grave problema fiscal. Nosso governo está no 39º dia e não está dando as costas para esse problema. Não estamos querendo empurrar com a barriga. Fomos ao Tribunal de Justiça e oferecemos um plano de pagamento de precatórios ao longo do tempo. Estamos buscando alternativas. Buscamos sensibilizar o Tribunal de Justiça de que todos são importantes na tarefa de reerguer o RS. O Judiciário, o Legislativo, o Executivo. Cada cidadão, cada empresário. Todos são importantes. Infelizmente, não fomos compreendidos — lamentou Leite, acrescentando que “esse valor é três vezes mais do que o Estado vem pagando mensalmente de precatórios”.
De acordo com a assessoria da Secretaria Estadual da Fazenda, o montante sequestrado entrou na conta do Estado na manhã desta sexta-feira e foi imediatamente bloqueado. O valor decorre de um repasse feito pelo governo federal ao Rio Grande do Sul e seria drenado, na maior parte, para os contracheques dos servidores.
Argumentos
O TJ informou que o pedido de sequestro foi feito devido ao fato do governo estadual ter repassado R$ 46 milhões para destinar a precatoristas, o que é considerado pouco pela Corte. Para que o passivo de R$ 15,1 bilhões (3,7 vezes o orçamento da Saúde para este ano) possa ser zerado até 2024, como manda a lei, o Judiciário estima que o valor transferido teria de ser, no mínimo, de R$ 203 milhões. Em decisão, o desembargador Carlos Eduardo Zietlow Duro, presidente do TJ, afirmou que:
"Não se trata de hierarquizar prioridades nos gastos do dinheiro público, uma vez que é tarefa do Poder Executivo a adoção de políticas públicas e a destinação de recursos para o seu respectivo atendimento, seja na área da saúde, educação ou segurança pública.
A fiscalização e gestão de valores destinados ao pagamento de precatórios, por outro lado, é atribuída constitucionalmente ao Poder Judiciário. Isso significa que não cabe ao Poder Judiciário determinar quais despesas deverão ser pagas e em que ordem, competindo-lhe, sim, o cumprimento dos ditames constitucionais.
Portanto, em não tendo sido observado, pelo Estado do RS, o depósito da parcela mensal mínima e suficiente para pagamento dos precatórios vencidos (...) determino, pois, o sequestro."
Já o procurador-Geral de Justiça em exercício, Marcelo Lemos Dornelles, emitiu parecer contrário a esse tipo de medida, no último dia 4 de fevereiro. No documento, Dornelles afirmou que o bloqueio das contas poderia levar "ao caos econômico e social no Estado, dados os reflexos da paralisação da máquina pública". Ele declarou que "não se está a negar o direito legítimo dos credores de precatórios de receber os valores que lhes são devidos e que há tanto tempo esperam receber", mas, para ele, a decisão "implicaria no desatendimento de necessidades básicas do restante da população e na própria inviabilização do Estado".
Dornelles concluiu ainda que, "tendo em vista a crise financeira vivenciada pelo Estado, bem como a disposição do novo governador de dar cumprimento integral aos deveres que a Carta lhe impõe, não se mostram evidenciados, excepcionalmente, e ao menos por ora, os requisitos constitucionais para a decretação de sequestro ou bloqueio de valores nas contas do Estado".
O impasse entre o governo do Estado e o TJ começou em novembro de 2018, quando o presidente da Corte recusou o plano de pagamento apresentado pela gestão de José Ivo Sartori (MDB) para 2019. A decisão foi tomada com base em resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), segundo a qual os presidentes dos TJs poderiam ser responsabilizados se aceitassem propostas com valores insuficientes. Foi o que ocorreu no Estado.
Em razão do cenário de crise, Sartori propôs manter os repasses mensais em 1,5% da receita corrente líquida, o que vinha ocorrendo desde 2010, para atender precatoristas. O percentual equivale a cerca de R$ 40 milhões, podendo chegar a R$ 50 milhões, dependendo da arrecadação. O problema é que o valor não é suficiente para quitar o débito no prazo estipulado por lei (até 2024). Segundo cálculos do Serviço de Processamento de Precatórios do TJ, as transferências deveriam, no mínimo, quintuplicar para atingir o objetivo.
Em reunião com Duro no dia 7 de janeiro, Leite reiterou as dificuldades do Estado e pediu a compreensão do Judiciário. O aumento, se mantidos os sequestros, poderá representar aporte de R$ 2,4 bilhões ao ano, bem superior ao praticado até então (em torno de R$ 500 milhões a R$ 600 milhões, dependendo da variação da RCL).