Em mais de três horas de explicações durante audiência pública na Comissão de Direitos Humanos no Senado, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, disse nesta quinta-feira (21) que vai rever a atuação de organizações não-governamentais (ONGs) que atuam com a Fundação Nacional do Índio (Funai). A ministra ainda criticou o "ativismo" judicial em relação ao aborto e a atuação de "ideólogos" que defendem que "não se nasce homem ou mulher".
Damares disse que o momento atual é dos conservadores no poder, mas que, caso não dê certo, eles podem sair nas próximas eleições.
— Democracia é alternância de poderes. Estão no poder agora os conservadores. Então, deixa a gente estar mostrando para o Brasil o que os conservadores querem fazer. Se não der certo, a gente sai daqui a quatro anos. Mas isso é democracia — afirmou.
Após explicar aos senadores a estrutura de sua pasta, a ministra falou em defesa de povos tradicionais e minorias e mencionou que "direitos humanos são para todos". Ao falar de estupro, Damares disse que sua pasta respeitará manifestações culturais, "desde que não atentem contra direitos fundamentais", e afirmou que o governo tem compromisso de fazer do Brasil "o melhor país do mundo para se criar meninas".
Na semana passada, a ministra aconselhou, em entrevista, pais e mães de meninas a fugirem do Brasil para evitar a violência e abuso sexual. Damares disse que o ministério lançará em julho uma campanha de motivação para que mulheres se candidatem nas próximas eleições. Segundo a ministra, sua pasta está fazendo a revisão de pagamentos a anistiados políticos, mas fez ressalvas:
— Precisamos respeitar os anistiados. Tenho medo de que, neste bolo, as pessoas que receberam (indenização) porque mereciam sejam acusados de fraude.
No âmbito de revisões de contratos, Damares disse estar analisando acordos com a Funai e afirmou haver corrupção na fundação e na Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), vinculada ao Ministério da Saúde.
— A corrupção de fato existe, não só na Sesai como também na Funai. Estamos fazendo uma força-tarefa, auditando todos os contratos da Funai, e o ministro da Saúde também está na mesma direção, auditando todos os contratos da Sesai. E aí, senadores e deputados, me surpreendo com cada caixinha que eu abro naquela Funai — afirmou, também criticando a "política de isolamento do índio" e a atuação de algumas ONGs.
— Vamos rever a atuação das ONGs na Funai. Tem muita ONG séria, mas tem muita precisando dizer tchau para a Funai — completou.
Em entrevista após a audiência, a ministra declarou que o pente-fino está ainda em estágio inicial.
— Isso não é só na Funai. É uma tendência do governo Bolsonaro rever o contrato com todas as ONGs no Brasil. Muitas ONGs sérias no Brasil, que fique claro isso. A nossa parceria com ONGs é necessária, mas aquelas que não estão fazendo trabalho sério serão afastadas — prometeu.
Provocada pelo senador Eduardo Girão (PODE-CE), que milita contra o aborto, disse ser contra a interrupção de gravidez em qualquer circunstância, inclusive nas possibilidades previstas em lei — em caso de estupro, de anencefalia e de risco para a mãe. Alinhada com discurso do Congresso, ela criticou o "ativismo" do Supremo Tribunal Federal (STF), que aprecia em maio a possibilidade de aborto em casos de contaminação pelo vírus da zika.
— Este ministério vai trabalhar dentro da legalidade. Não é papel do ministério militar, ser contra ou a favor do aborto. É um tema do Congresso Nacional, e não do Judiciário. É uma preocupação de todos nós com o ativismo do Judiciário usurpando muitas vezes o papel e o poder do Congresso Nacional. Isso tem que ser discutido aqui, porque vocês representam o povo — observou.
O momento mais tenso da sessão foi quando a senadora Leila Barros (PSB-DF) indagou a ministra sobre a suposta interferência de sua religiosidade — Damares é pastora evangélica — na atuação dela na pasta.
— Em nenhuma das falas como ministra, a senhora vai encontrar vertente religiosa. A senhora pode ter ouvido muitas falas minhas que foram pinçadas dentro do templo, pregações em que eu nem sabia que estava sendo filmada — retrucou a ministra.
Ainda respondendo para a senadora, disse que "ideologia de gênero, da forma como ela foi implantada no Brasil, não trouxe respaldo na proteção do direito da comunidade LGBTI".
— Quando os ideólogos de gênero falam que ninguém nasce homem, que ninguém nasce mulher, estão mandando o recado também que ninguém nasce gay, que ninguém nasce lésbica, que isso é uma construção social e isso me preocupa muito. Ser travesti, gay, é uma construção social, cultural? Me preocupa muito o discurso dos ideólogos — afirmou.
Damares também defendeu o "homeschooling" e afirmou que o governo vai editar uma medida provisória para regulamentar o ensino domiciliar, uma das bandeiras do presidente Jair Bolsonaro. O texto deve ficar pronto em 10 dias, segundo a ministra.