Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) devem prosseguir nesta quinta-feira o julgamento da ação que descriminaliza a interrupção da gestação de fetos anencéfalos - bebês que, devido a uma má-formação, não possuem partes do encéfalo e, na maioria dos casos, morrem logo após o parto. A sessão iniciada na manhã de quarta-feira foi suspensa no início da noite com cinco votos favoráveis e um contra a liberação da interrupção da gravidez. A tendência é de que a mudança seja aprovada.
Como o ministro Dias Toffoli já se manifestou favorável à interrupção da gravidez dos anencéfalos quando era advogado-geral da União, ele não vai votar. Sem Toffoli, é possível que ocorra empate em cinco a cinco - casos todos os restantes sejam contrários à mudança, o que é improvável. Nesta hipótese, ministros devem decidir, durante a sessão, como será o desfecho da polêmica. É provável que o presidente do STF, Cezar Peluso (que ainda não votou), como prevê o artigo 13 do regimento do órgão, faça o desempate com voto de minerva.
O projeto tramita há oito anos e divide opiniões não só nas esferas jurídicas e científicas, mas também entre religiões, profissionais da biologia e da sociologia.
Atualmente, cada caso é tratado de forma individual
Desde 1989, já foram pedidas 10 mil autorizações judiciais no Brasil para interromper gestações nessas condições. Atualmente, cada caso é analisado subjetivamente, conforme a interpretação de cada juiz ou promotor.
Embora os ministros não se manifestem publicamente sobre assuntos que serão tratados pelo supremo, a expectativa, tanto de ativistas dos direitos das mulheres quanto de juristas ouvidos por Zero Hora, é de que a interrupção da gravidez seja aprovada em caso de bebês anencéfalos. Eles contabilizam o ministro Ayres Britto entre os defensores da alteração.
Dos cinco que votaram, apenas Ricardo Lewandowski manifestou-se contrário.
- Uma decisão judicial isentando de sanção casos de fetos com anencefalia, além de discutível do ponto de vista ético e jurídico, abriria as portas da interrupção da gravidez para inúmeros que sofrem de doenças que levem ao encurtamento da vida - alegou Lewandowski.
Joaquim Barbosa, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Marco Aurélio Mello, relator do processo, votaram pela interrupção.
- Cabe à mulher, e não ao Estado, sopesar valores e sentimentos de ordem privada, para deliberar pela interrupção, ou não, da gravidez. O Estado não é religioso, tampouco ateu. O Estado é simplesmente neutro. (...) A crença religiosa e espiritual não deve ter influência nas decisões estatais - defendeu Mello.
A votação
PLACAR
- 5 a 1 a favor da interrupção
OS VOTOS
- A favor: Marco Aurélio Mello (relator), Rosa Weber, Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Cármen Lúcia
- Contra: Ricardo Lewandowski
QUEM FALTA VOTAR
- Carlos Ayres Britto, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cezar Peluso
- Não vota o ministro Dias Toffoli, que se declarou impedido
ARGUMENTOS
A favor: é preciso separar Estado e religião, anencefalia é incompatível com a vida, é desproporcional proteger um ser que não tem chance de vida em detrimento da saúde mental da mãe, o Congresso poderia ter ter permitido esse aborto em lei caso houvesse forma de detecção da anencefalia à época, é uma questão de saúde pública.
Contra: cabe ao Congresso mudar a lei para permitir a interrupção da gestação nestes casos, abre a porta para aborto em outros casos de má-formação.
DECLARAÇÕES DOS MINISTROS
Marco Aurélio Mello: "O anencéfalo jamais se tornará uma pessoa. Não se cuida de vida em potencial, mas de morte segura"
Rosa Weber: "Não há interesse em tutelar vida que não se desenvolverásocialmente. Proteger a mulher é proteger a liberdade de escolha"
Ricardo Lewandowski: "Não é lícito ao maior órgão judicante do país envergar as vestes de legislador criando normas legais. Não é dado aos integrantes do Judiciário promover inovações no ordenamento normativo"
Luiz Fux: "Se o diagnóstico (da anencefalia) fosse possível, teria, sem dúvida alguma, o legislador previsto a antecipação terapêutica do parto ou, afastando o eufemismo, o aborto".
HISTÓRICO NO BRASIL
Em julho de 2004, o ministro Marco Aurélio Mello concedeu liminar autorizando a antecipação do parto às gestantes que identificaram a malformação dos fetos por meio de laudo médico. No mesmo mês, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) pediu a cassação da liminar ao STF, mas o pedido foi negado.
Desde 2008, o STF promoveu uma série de audiências públicas para discutir o assunto. As audiências contaram com as participações de integrantes do governo, de especialistas em genética, de entidades religiosas e da sociedade civil. De acordo com especialistas, a anencefalia é uma malformação fetal congênita e irreversível, conhecida como"ausência de cérebro", que leva à morte da criança em poucas horas depois do parto. Pelos dados apresentados pela CNTS, em 65% dos casos, os fetos morrem ainda no útero.
ABORTO EM OUTROS PAÍSES
Como faltam dados sobre legislações específicas para anencefalia na maioria dos países, a Anis - Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero - estabeleceu um ranking de nações que permitem o aborto com base em dados do mapa World's Abortion Laws (leis mundiais de aborto), feito anualmente pelo Center for Reproductive Rights (Centro de Direitos Reprodutivos, na tradução livre):
Estados Unidos: varia conforme a legislação de cada Estado, no entanto, na maioria do país o aborto é legalizado. Em alguns Estados, caso a gestante seja menor, é preciso autorização dos pais ou responsáveis
Espanha: permite o aborto. Caso a gestante seja menor, é necessária autorização dos pais ou responsáveis
Suíça: permite o aborto
Polônia: permite o aborto em caso de má-formação fetal, incesto e estupro. Caso a gestante seja menor, é necessária autorização dos pais
Uruguai: não permite o aborto, exceto em casos de estupro
Tendência de aprovação
Um voto deve definir polêmica de anencéfalos no STF
Supremo Tribunal Federal suspendeu sessão após placar de 5 a 1 a favor de interrupção de gravidez
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