— Pra ti ninguém mente — justificou o deputado estadual Pedro Ruas (PSOL) ao colega Marlon Santos (PDT).
Ruas estava apreensivo. Trabalhava para derrubar o projeto do governo estadual que propunha um plebiscito sobre a venda de estatais, mas não confiava que os deputados que diziam estar a seu lado mantivessem a palavra no plenário.
Para ter certeza, pediu que Marlon, também contrário às privatizações, telefonasse aos parlamentares para aquilatar a fidelidade deles. Era o materialismo marxista socorrendo-se do sobrenatural. Médium afamado, Marlon notabilizou-se na Assembleia pela ascendência espiritual sobre colegas de todas as bancadas. Ninguém teria coragem de dizer-lhe uma coisa e depois fazer outra.
No dia seguinte, sentado à mesa diretora, Marlon ergueu o polegar para Ruas em sinal de positivo. Naquele momento, o deputado do PSOL finalmente relaxou. Sabia que a vitória era certa. À noite, 29 deputados enterraram a proposta de José Ivo Sartori.
Dias antes, Manuela D’Ávila (PCdoB) já havia dito a Ruas que era melhor evitar pensamentos nas proximidades de Marlon. Juliana Brizola (PDT) fizera o mesmo alerta, em ocasião diferente. As duas confidenciaram o receio de que o médium tivesse a capacidade telepática de ler o que se passa pela mente.
Marlon assegura não ser adivinho, mas afirma incorporar o espírito do doutor Richard Stan, que seria um médico alemão da II Guerra. Aos sábados, em um pavilhão em Cachoeira do Sul, na região Central, realiza atendimentos espirituais, incluindo “cirurgias pelo espaço”. Nos dias úteis, compartilha seu poder do além com os colegas deputados. Tornou-se unanimidade – da esquerda à direita, é respeitado pelos parlamentares. Por crerem ou temerem, impossível dizer.
Em 2019, Marlon irá assumir uma cadeira na Câmara – pelo que se tem notícia, o primeiro médium no Congresso. Dará adeus à Assembleia depois de três mandatos preenchidos por episódios de teor transcendental.
Uma das histórias mais impressionantes deu-se com Jeferson Fernandes (PT). Em 14 agosto de 2014, dia seguinte à morte de Eduardo Campos (PSB), Marlon encontrou o colega no corredor. Nem eram muito próximos, mas o médium contou sobre um sonho e pediu que ficasse longe de estradas.
Em campanha eleitoral, Fernandes tinha compromisso marcado em Santa Rosa e optou por manter a agenda, mesmo diante do apelo. Na BR-386, próximo ao trevo de Soledade, o prenúncio se confirmou: o carro em que estava o deputado teve um choque violento com outro veículo.
Em meio ao susto, uma van parou para prestar socorro. Era adesivada com o nome de Marlon e dirigida por um organizador de caravanas ao centro mediúnico.
— Me arrepiei. E passei a respeitar mais ainda essa coisa dos poderes dele — resume Fernandes.
À época, o ocorrido deixou a Assembleia embasbacada, e os avisos do além passaram a ser ouvidos com mais atenção. Gilmar Sossella (PDT) chegou a cancelar o embarque em um voo a São Paulo após um pressentimento do médium.
— O que mais eu poderia fazer? — resigna-se Sossella, lembrando que nenhuma aeronave caiu naquele dia.
Brasília não deve parar cirurgias
Mais cético, Ronaldo Santini (PTB) seguiu viagem a Roca Sales mesmo depois de uma ligação de Marlon. Às 4h30min, o médium perguntou onde ele estava. Diante da resposta – “na estrada” –, pediu cautela.
Pelo benefício da dúvida, Santini orientou o motorista para não ultrapassar 60 km/h. No percurso, encontrou densa neblina e um caminhão tombado.
— Talvez eu só esteja vivo graças à mediunidade dele — cogita o deputado do PTB.
Além de antever desastres, Marlon carrega no currículo relatos de cura de deputados e seus familiares. Entre eles, Maria Rita, filha de Gilberto Capoani (MDB).
Em meados de 2016, Capoani teve de interromper um cruzeiro pelo Caribe por causa de uma febre alta que acometia a menina. Ela foi internada em um hospital nas Ilhas Cayman. Passados cinco dias, seguia doente e respirando com aparelhos.
O emedebista ligou para Marlon, que pediu a localização precisa do hospital e disse que faria três atendimentos entre a noite e a madrugada – 21h, 23h e 1h. Nesses horários, Maria Rita tinha de beber um copo de água, aos pouquinhos.
Segundo Capoani, às 4h, a menina voltou a respirar sozinha. Na manhã seguinte, recebeu alta
— Se foi a intervenção dele ou não, só Deus sabe — diz o deputado.
Marlon se nega a fazer comentários sobre esse episódio.
— É um trabalho que encaro como missão — declara o deputado, encerrando a conversa.
Aos devotos, Marlon tem uma palavra tranquilizadora. Mesmo de mudança para Brasília, promete manter os atendimentos de Richard Stan. A mediunidade do deputado pode não ter amparo científico, mas muitos nem pensam em abrir mão dela, seja em Cachoeira do Sul ou na Assembleia Legislativa gaúcha.