Desde a década de 1990, o doutor Richard Stan, um declarado médico alemão da II Guerra, realiza atendimentos e promete curas em um pavilhão na região conhecida como Volta da Charqueada, em Cachoeira do Sul, na Região Central. Sem anestesia ou sutura, opera pacientes desenganados e, dizem, arrancar-lhes, de graça, desde catarata até câncer.
Nesta quinta-feira (1º), Marlon Santos, o médium que aos sábados afirma incorporar o espírito curador e atende até 6 mil pessoas em um dia, assumiu a presidência da Assembleia na última quinta-feira (1º). Reeleito em 2014 com a terceira maior votação entre os deputados estaduais, o parlamentar do PDT chega ao comando do Legislativo com uma trajetória que se mistura entre a política e a crença.
— Tenho minha missão, que não é profissional, mas espiritual. Nunca fui o deputado eleito para ser médium, mas o médium eleito para ser deputado — diz o parlamentar.
O Marlon médium descobriu a missão espiritual na adolescência, mas evita se aprofundar sobre o passado. De família católica, limita-se a contar que a atividade era motivo de conflito. Já o Marlon político elegeu-se vereador e prefeito de Cachoeira do Sul. Em 2002, tornou-se deputado estadual pelo antigo PFL. Hoje, conhecido pelo perfil conciliador, está no terceiro mandato.
— Por mais que queira separar, os "dois Marlons" se misturam. A sensibilidade o acompanha, seja no centro mediúnico ou no plenário — afirma Juliana Brizola (PDT).
Consolidada entre os cachoeirenses, a fama do médium também circula entre graduados políticos e empresários gaúchos. Em visita ao pavilhão, Juliana recebeu diagnóstico para o choro excessivo da filha, à época, com seis meses — uma hérnia no intestino. Mais tarde, a disfunção foi confirmada pelo pediatra.
O ex-prefeito de Porto Alegre José Fortunati (sem partido) recorreu ao doutor Richard em busca da cura para um ex-colega sindicalista, vítima de câncer. Incorporado, Marlon disse que a doença estava em nível avançado — por isso, inoperável — e recomendou um remédio natural para acalmar as dores. Meses depois, o homem telefonou para relatar alívio.
— Conheço bem Marlon no dia a dia. Lá, era outra pessoa, percebia-se claramente pelo olhar e pelo modo de falar. Fiquei impressionadíssimo — sublinha o ex-prefeito.
Causou perplexidade em Fortunati a cirurgia astral que assistiu no local. Viu o médium retirar, com uma faca de cozinha e "sem uma gota de sangue", uma membrana do olho de uma mulher com catarata. Ela deixou o centro somente com uma gaze.
Eloísa da Silva, 66 anos, costureira de São Gabriel, conta ter se visto livre de um entupimento em uma glândula salivar pelo bisturi de Richard. Em abril de 2017, passou por uma cirurgia sem anestesia nem pontos que retirou a inflamação do tamanho de um ovo de sua bochecha esquerda. O vídeo da operação está disponível em seu Facebook — uma gravação de 10 minutos que mostra a paciente falando enquanto um corte se aprofunda em seu rosto.
— Não dói nada. Hoje estou ótima — garante Eloísa.
Pelo exercício ilegal da medicina, Marlon nutriu uma relação conturbada com as autoridades. Em 1998, foi investigado pelo Ministério Público e preso em flagrante pela Polícia Civil. Jornais da época deram conta que uma das "maiores mobilizações populares de Cachoeira do Sul" pediu a soltura do médium — e a liberdade foi comemorada com reza e carreata na cidade. Condenado a 370 dias de prisão em regime semiaberto em 2001, teve a pena revertida para o pagamento de 36 salários mínimos.
Deputado com a maior votação do PDT gaúcho (91,1 mil votos), o Marlon político toma posse como presidente devido ao acordo interno que prevê o revezamento do comando da Assembleia entre as quatro maiores bancadas a cada legislatura. De imediato, promete adotar medidas inéditas para incrementar o orçamento da Casa: a venda da folha de pagamento e a elaboração de uma caderneta de fornecedores.
Definido como um político de "boas brigas", quer liberar a Assembleia de aprovar aumentos salariais do Judiciário e proteger os deputados de desgastes. Na presidência em ano eleitoral, avalia que terá de ser "firme". O pedetista pretende propor ao governo medidas "criativas" para a sobrevida financeira e avisa que o orçamento do Legislativo é "imexível".
Marlon pouco aparece na tribuna, mas colegas o veem como atuante nos bastidores. Foi relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias em 2013 e do orçamento estadual em 2015, período de aprofundamento da crise financeira. Como corregedor, investigou os deputados Diógenes Basegio e Jardel. Ambos acabaram cassados.
— É um conciliador. Como corregedor, pediu minha ajuda para colaborar com as questões jurídicas. Eu nem era membro da comissão, mas ele me deu muito espaço — relata o deputado e advogado Pedro Ruas (PSOL).