Revisor dos processos da Lava-Jato no Superior Tribunal de Justiça (STJ), o ministro Jorge Mussi é um aguerrido defensor da jurisprudência que autoriza a prisão de réus condenados em 2ª instância. Mantido esse entendimento, ele sinaliza que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não terá vida fácil no STJ.
O ex-presidente já teve dois habeas corpus negados pela Corte – um deles liminarmente, depois de decretada sua prisão – e em breve deverá ingressar com recurso especial. Mussi é claro ao alertar que o STJ não discute materialidade e autoria dos crimes atribuídos ao petista:
— Ali não se discute prisão, ali a gente discute uma eventual nulidade de ordem processual.
Indicado por Lula em 2007, o catarinense estima que o recurso do ex-presidente chegue à Corte em agosto e tenha o mérito julgado até o final do ano. Mussi diz que talvez só uma mudança de postura do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a execução provisória da pena possa tirar Lula da cadeia antes disso.
O ministro conversou com GaúchaZH na manhã desta quinta-feira (12), enquanto aguardava voo de Brasília para Florianópolis. Confira os principais trechos da entrevista:
O senhor negou liminar no hábeas que pedia suspensão da condenação do ex-governador de Minhas Gerais Eduardo Azeredo (PSDB). Ele enfim será preso, 20 anos depois do mensalão tucano e com o caso já julgado em 2ª instância?
Eu não examino marcos prescricionais, mas pelo que sei não há nenhum risco de isso ocorrer. No hábeas, ele diz que o Ministério Público pediu condenação por três crimes e o juiz condenou em sete. Ora, o juiz não está restrito ao que está na denúncia. Mas isso é matéria de mérito, por isso neguei a liminar. Já mandei a procuradoria se manifestar para que possamos julgar o mais rápido possível. É um processo emblemático, então acho que vamos dar preferência.
O que impressiona nesse caso é a demora para decisão final e o fato de Azeredo ter renunciado ao cargo de deputado, o que levou o processo do STF para a 1ª instância.
Tenho visto casos de crimes assim. O cidadão se elege deputado, o processo vai para o Supremo. Quando recebe a denúncia, termina o mandato e volta lá pra baixo. Temos uma legislação complicada. O melhor é acabar com o foro privilegiado, não há motivo (para existir) se a Constituição diz que todos são iguais perante a lei. Claro, ressalvado os presidentes da República, do Senado e do Supremo. O resto, só no exercício da função.
Essa demora no caso Azeredo contrasta com a agilidade na prisão do ex-presidente Lula. Isso contribui para uma sensação de que há tratamento diferenciado?
Mas aí é porque o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, num ato administrativo, determinou que o Moro é juiz de um processo só (a operação Lava-Jato). Claro que há 170, 180 inquéritos, mas aqui no STJ tem colegas que estão com 18 mil processos. Não tendo réu preso, não há prioridade. Essa é a diferença. Tive informações de que lá um advogado entra com petição às 9h e às 11h30min está despachada. O ideal é que todos fossem assim.
Como está o ritmo na 5ª Turma do STJ? Qual os próximos processos de vocês?
Temos sido rápidos. O relator, ministro Félix Fischer, é bastante célere. Os habeas corpus foram todos julgados. Agora começam a subir os recursos especiais. Mas imagine o recurso do ex-presidente Lula: assim que entrar no TRF4, vai para o Ministério Público e volta para juízo de admissibilidade. Se subir para cá, vai para a procuradoria, daí volta para o relator pautar o julgamento. Chegando aqui, acho que lá para agosto, deve levar de quatro a seis meses, lá para o final do ano, para ser julgado.
A orientação da 5ª Turma é seguir rigorosamente o Supremo. Esgotou a via ordinária, expede o mandado (de prisão).
O ex-presidente Lula teve um hábeas preventivo negado e já está preso. O sr. vê chance de um novo pedido prosperar ou só com o recurso especial na 5ª Turma o STJ para uma eventual soltura?
O que tem de ver são as ADCs (Ações Diretas de Constitucionalidade que questionam prisão em 2ª instância). Elas sendo pautadas e o Supremo mudando o entendimento, aí sim vale para todo mundo. Eles (a defesa de Lula) entraram com hábeas na 5ª Turma, mas o ministro Fischer já negou a liminar e agora vai ao mérito.
Pelo retrospecto da 5ª Turma, Lula pode ter esperanças?
A orientação da 5ª Turma é seguir rigorosamente o Supremo. Esgotou a via ordinária, expede o mandado (de prisão). Ali não se discute prisão, ali a gente discute uma eventual nulidade de ordem processual.
Mas que pode resultar na soltura do ex-presidente...
Se por acaso eles tiverem razão. Aí tem de ver.
Não o conheço, mas dizem que o (juiz Sergio) Moro carrega nas tintas.
Neste hábeas negado, a defesa alega que não havia sido intimada do resultado do julgamento dos embargos de declaração antes da prisão. Como o sr. avalia a ordem de prisão do ex-presidente? Foi dentro do prazo certo ou lhe pareceu açodada a postura da 1ª ou 2ª instância?
Da primeira, não, porque o juiz tem de cumprir sob pena de desobediência. Agora, se me disserem: "cumpriu rapidamente". Pode ter sido. Mas o ato partiu do juiz convocado, que estava no lugar do (relator do processo, desembargador João Pedro) Gebran, que estava de férias. Ele é que mandou. Foi o que resultou neste habeas corpus. Agora vamos ver isso.
O sr. já disse uma vez que considera as penas impostas pelo TRF4 demasiadas. O sr. acredita em revisão na 5ª Turma?
Não o conheço, mas dizem que o (juiz Sergio) Moro carrega nas tintas. Aqui, nós somos muito técnicos. Na dosimetria da pena, o juiz é obrigado a se restringir aos oito vetores do artigo 59. Não pode fugir dali, exacerbando. Tem critérios objetivos nas agravantes e nas atenuantes. Se for exacerbado, vamos enfrentar a matéria. Houve uma diferença de três anos da pena de Lula, do Moro para o tribunal, mas a decisão foi por unanimidade. Só examinando os vetores para analisar.
Essas incertezas sobre o comportamento do STF em relação à prisão em 2ª instância preocupam vocês?
Os jurisdicionados, os profissionais, operadores do direito, têm a tendência de seguir a última palavra, que é da Corte constitucional. Nós seguimos religiosamente o STF.
O sr. tem assento na 5ª Turma do STJ e é ministro do TSE. Essa decisão que levou o inquérito do ex-governador de São Paulo e Geraldo Alckmin para a Justiça Eleitoral, contrariando pedido do núcleo paulista da Lava-Jato, não reforça a sensação de impunidade e tratamento diferenciado?
Veja bem, o titular da persecução criminal é o Ministério Público. Se ele denuncia, como fez, em crime eleitoral, o foro para ele ser processado é o domicílio eleitoral. Os que foram denunciados por corrupção não vão para a justiça eleitoral.
Nós vivemos novos tempos. O Ministério Público e a Polícia Federal (....) são completamente diferentes do passado. E a lei vale para todos.
Como o sr. avalia essa polarização em torno da prisão do ex-presidente Lula, com pessoas comemorando, soltando foguetes, e os militantes impedindo ele de se entregar à Polícia Federal?
É a caixa de ressonância da sociedade. É a primeira vez que um ex-presidente é preso por crime comum. Não é impeachment. A gente é juiz, mas transita em todos os lugares. Isso mexe com as pessoas e há reflexo na sociedade.
O fato de ser o primeiro ex-presidente preso significa que teremos um segundo, um terceiro? O atual presidente já foi alvo de duas denúncias e temos processos contra outros ex-presidentes.
Nós vivemos novos tempos. O Ministério Público e a Polícia Federal, com os mecanismos que têm para colher provas, indícios e materialidade, são completamente diferentes do passado. E a lei vale para todos.