A prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) acirrou o debate em torno do cumprimento de pena a partir de condenação em 2ª instância. No Congresso e no Supremo Tribunal Federal (STF) tramitam iniciativas que tanto podem ampliar quanto restringir o atual entendimento jurídico, segundo o qual o juiz de 1ª instância pode determinar o encarceramento do réu após condenação por órgão colegiado.
No Legislativo, há pelo menos três propostas de emenda à Constituição (PEC) referendando a prisão em 2ª instância (leia abaixo). Duas tramitam na Câmara e preveem a inclusão expressa de artigo que determine o cumprimento de pena após condenação em segundo grau.
Mas, nos corredores da Casa, começa a tomar forma um acordão para barrar qualquer iniciativa que permita a antecipação das penas. Contrário à medida, o PT anunciou que irá obstruir os trabalhos na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) caso as matérias avancem.
— Faremos obstrução sem pena, sem dó — disse o deputado Paulo Teixeira (PT-SP).
Outros partidos de oposição manifestaram apoio à manobra petista. Além deles, simpatizam com a obstrução PSDB e DEM, também implicados pela Operação Lava-Jato e com seus pré-candidatos à Presidência – Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Geraldo Alckmin (PSDB-SP) – delatados por corrupção.
Debate no Supremo ficou para semana que vem
A união de adversários políticos para evitar o andamento das PECs revoltou o deputado Rubens Bueno (PPS-PR). Relator da admissibilidade de uma das propostas na CCJ, Bueno citou ainda manobras para atrasar a extinção do foro privilegiado. Uma comissão especial precisa ser instalada para discutir o tema, mas até agora os partidos não indicaram todos os integrantes do colegiado.
— Agora se faz um grande acordo para tentar acabar com o que está sendo construído pela Justiça brasileira. Fugir ao debate dela é fugir ao clamor nacional — reclama Bueno.
A situação também é confusa no STF. Na terça-feira, o ministro Marco Aurélio Mello suspendeu por cinco dias a tramitação de ação direta de constitucionalidade (ADC) ajuizada pelo Partido Ecológico Nacional (PEN). A legenda ingressou com a medida em 2016, pedindo que as penas só comecem a ser cumpridas após o trânsito em julgado. Ao congelar o andamento da ADC, Marco Aurélio atendeu a pedido do PEN, que alega ter mudado de opinião e substituiu o advogado até então responsável pelo caso, Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay.
O presidente da sigla, Adilson Barroso, diz que Kakay agiu à revelia do partido quando pediu liminar para suspender prisões de condenados em 2ª instância enquanto não for julgado o mérito da ADC. A legenda deseja retirar a ação, embora a jurisprudência do STF sustente que não é possível desistir do processo.
Dúvida sobre direcionamento após troca de comando na corte
Há no STF outra ADC idêntica, de autoria da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). As duas serão analisadas juntas, mas, a despeito da pressão de alguns ministros, a presidente da Corte, Cármen Lúcia, resiste em pautar o julgamento.
Em setembro, ela passa o cargo a Dias Toffoli, para quem as condenações devem começar a ser cumpridas a partir da 3ª instância, o Superior Tribunal de Justiça (STJ). A dúvida é se, ao assumir o comando do STF, ele vai pautar as ADCs.
O plenário segue dividido e a incógnita continua sendo o posicionamento da ministra Rosa Weber. Quando o STF alterou sua jurisprudência, permitindo as prisões, ela votou contra e acabou vencida. No hábeas de Lula, afirmou que mantinha o convencimento anterior, mas respeitaria o entendimento majoritário da Corte, e negou o salvo-conduto.
Ao pedir a liminar do PEN, Kakay alegou que a posição de Rosa indicaria nova jurisprudência prestes a ser criada. Com eventual apoio dela e a mudança no voto de Gilmar Mendes – que agora advoga o fim das prisões em 2ª instância – o placar se inverteria. De outro lado, interlocutores de Rosa dizem nos bastidores que a ministra considera prematuro reverter outra vez o entendimento firmado em 2016 e, por isso, estaria propensa a votar a favor da execução provisória.
As propostas em discussão
—Na Câmara, duas propostas de emenda à Constituição (PEC) idênticas foram protocoladas pelos deputados Alex Manente (PPS-SP) e Onix Lorenzoni (DEM-RS). Os parlamentares querem que o texto constitucional diga expressamente que o cumprimento da pena deve começar após condenação em 2ª instância, mesmo que haja a possibilidade de recursos.
— O PT anunciou obstrução dos trabalhos na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Tem apoio da oposição e também de DEM e PSDB.
—Outra obstáculo à mudança é o fato de a “presunção de inocência” ser cláusula pétrea na Constituição, o que não impede emendas ao texto.
Outro empecilho é a intervenção federal no Rio de Janeiro, que irá até o final do ano. Enquanto ela vigorar, estão impedidas as votações de PECs no Congresso.
— No Senado, PEC de Ricardo Ferraço (PSDB-ES) está pronta para ser votada. A proposta prevê a autorização a órgãos colegiados a expedir mandados de prisão com a sentença.