A volta dos militares brasileiros ao noticiário, sobretudo com tons políticos, provocou debates inflamados nas redes sociais. Pró e contra. Afinal, é direito deles falar da situação política do país?
A discussão surgiu após dois tuítes do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, disparados por ele às vésperas do julgamento do habeas corpus que pode conceder ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) o direito de permanecer em liberdade, mesmo condenado em 2ª instância a 12 anos de prisão por corrupção.
Militar mais graduado do país, Villas Bôas comentou:
"O Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais".
E completou: "Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País, e da gerações futuras, e quem está preocupado com interesses pessoais?".
Não mencionou Lula e nem precisava, na véspera do julgamento do hábeas do ex-presidente. Ele foi seguido por seis outros generais em comentários sobre o ambiente preocupante do país.
Gaúcha ZH ouviu especialistas em Direito Constitucional e Legislação Militar sobre a polêmica. Eles foram unânimes em afirmar que Villas Bôas não poderia ter falado do episódio Lula, mesmo que de forma subliminar.
O desembargador João Barcelos, que é filho de militar e durante décadas atuou como promotor na 1ª Auditoria Militar de Porto Alegre (que julga militares acusados de crimes), salienta que o comandante do Exército pode até não ter infringido o regulamento militar, já que não mencionou partido ou sequer o Supremo Tribunal Federal (STF), mas critica:
— Deu um claro recado político. Considero isso questionável. É como o abaixo-assinado de juristas pró-prisão em 2ª instância e prisão de Lula, que eu não assinei. No momento em que o julgador tem de pressionar outro julgador para que tome uma decisão, a coisa está fora da ordem. Não cabe pressão em decisões de pessoas justas.
Deu um claro recado político. Considero isso questionável. É como o abaixo-assinado de juristas pró-prisão em 2ª instância e prisão de Lula, que eu não assinei. No momento em que o julgador tem de pressionar outro julgador para que tome uma decisão, a coisa está fora da ordem. Não cabe pressão em decisões de pessoas justas.
JOÃO BARCELOS
Desembargador
O advogado Ricardo Giuliani, que foi chefe da Casa Civil estadual e professor de Direito Constitucional, comunga da opinião de Barcelos e ressalta que não cabe a militares falar sobre situação política do país. Mesmo que não tenham sido específicos sobre o caso Lula ou o STF:
— Ainda mais num dia de paixões insufladas, com manifestações. Muito insensível dizer que vão agir contra a desordem. A menos que tivessem sido autorizados pelo presidente, como manda a Constituição... Mas não foram. É um somatório de inabilidades que assola a nação, a começar pelo Supremo Tribunal Federal votando o hábeas de um indivíduo, quando deveria votar o tema prisão em 2ª instância...
Professor de Direito Constitucional, o advogado Pedro Adamy lembra que tanto a Constituição Federal quanto o Código Penal Militar proíbem manifestação de militares sobre o governo. Ele prefere não polemizar, mas acredita que, sim, a fala do comandante do Exército foi um recado direto ao STF.
E a quem caberia punir o comandante do Exército? Ao ministro da Defesa, mas aí há um problema: é um general hierarquicamente inferior ao atual comandante. Então, seria o caso de o presidente da República determinar a punição, concluem os especialistas consultados por GaúchaZH.
Veja o que diz a legislação
Artigo 142 da Constituição Federal — Parágrafo IV — Ao militar são proibidas a sindicalização e a greve.
Parágrafo V — O militar, enquanto em serviço ativo, não pode estar filiado a partidos políticos.
Artigo 166 do Código Penal Militar — É crime militar se manifestar sobre resoluções de governo.
Anexo I do Regulamento Disciplinar do Exército — Relação de Transgressões
56. Tomar parte, em área militar ou sob jurisdição militar, em discussão a respeito de assuntos de natureza político-partidária ou religiosa;
57. Manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária;
58. Tomar parte, fardado, em manifestações de natureza político-partidária;
59. Discutir ou provocar discussão, por qualquer veículo de comunicação, sobre assuntos políticos ou militares, exceto se devidamente autorizado.