Escritos por um cidadão comum, os dois tuítes postados pelo general Eduardo Villas Bôas (@Gen_VillasBoas) na noite de terça-feira (3) não teriam nada de extraordinário. Como Villas Bôas não é um cidadão comum, mas o comandante do Exército, as mensagens fizeram soar o alerta entre os que temem a volta da ditadura como resposta dos militares à crise política que devastou o Executivo e o Legislativo e ameaça arrastar o Judiciário para o limbo da falta de credibilidade.
O general, que recentemente comemorou a marca dos 100 mil seguidores do Twitter, ganhou mais de 40 mil graças à repercussão dos dois posts e não para de subir (eram 114 mil na noite de terça-feira e 154 mil às 10h desta quarta-feira). Fosse uma manifestação isolada, poderia até ser entendida como uma ponderação de bom senso diante do acirramento dos ânimos. Mas não é.
Ela vem depois de manifestações antidemocráticas de generais da reserva que, volta e meia, se assanham com os afagos das vivandeiras. Aqui é preciso lembrar a frase do marechal Humberto de Alencar Castello Branco, às vésperas do golpe de 1964, referindo-se aos políticos civis que, nas palavras do jornalista Elio Gaspari, iam aos quartéis para buscar conchavos com a oficialidade: "Eu os identifico a todos. São muitos deles os mesmos que, desde 1930, como vivandeiras alvoroçadas, vêm aos bivaques bulir com os granadeiros e provocar extravagâncias ao Poder Militar".
É preciso decompor os posts do general para tentar entender as linhas e as entrelinhas, porque há um subtexto que não passa despercebido ao observador mais atento. No momento em que as mensagens foram publicadas, fervilhavam manifestações em todo o Brasil pedindo a prisão do ex-presidente Lula, o que só será possível se na sessão desta quarta-feira o STF negar o habeas corpus pedido pela defesa.
No primeiro post, Villas Bôas escreveu: "Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?".
No segundo, logo depois, ampliou a extensão do comentário: "Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais".
Começando pelo último trecho, não poderia ser diferente: o Exército brasileiro "se mantém atento às suas missões institucionais". A missão institucional está especificada na Constituição, mas como a Carta vem sendo interpretada com certa liberalidade pelos seus guardiões (os ministros do Supremo Tribunal Federal), no subtexto pode-se detectar um recado aos civis, de que o Exército, em "repúdio à impunidade", pode ir além do que está acostumado a fazer. A intervenção no Rio, a pedido de um presidente civil e desgastado, com o aval de um governador incapaz de cumprir seu papel e com apoio popular, é um exemplo de que essas atribuições são um tanto elásticas.
Quando assegura à Nação que "o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia", o general Villas Bôas está dando um recado aos ministros do Supremo ou avisando que não permitirá distúrbios nas ruas como consequência do resultado do julgamento? O contexto permite concluir que a frase tem mais de um endereço.
Diante da repercussão, o ministro interino da Defesa, general Joaquim Silva e Luna, traduziu os comentários do comandante do Exército com uma explicação apaziguadora. Disse que "foram no sentido contrário ao uso da força e que a população pode ficar tranquila" em relação ao teor do que foi dito. Em mensagens na mesma rede social, militares da reserva elogiaram o general e deram interpretações capazes de semear o pânico em quem tem aversão a ditaduras.