Em um ambiente inédito de pressão popular e jurídica, o Supremo Tribunal Federal (STF) monopoliza as atenções do país nesta quarta-feira (4) com o julgamento do habeas corpus que pode mudar os rumos da Operação Lava-Jato. Ao analisar o pedido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), os 11 integrantes da Corte estão na iminência de alterar a jurisprudência que permite levar à cadeia condenados em 2ª instância.
Das 123 pessoas consideradas culpadas por crimes investigados na Lava-Jato somente na 13ª Vara Federal de Curitiba, onde atua o juiz Sergio Moro, 11 estão presas a partir do entendimento firmado pelo STF em 2016. Na ocasião, por 6 votos a 5, os ministros decidiram que não é mais necessário aguardar o trânsito em julgado dos processos para dar início ao cumprimento de pena.
— A mudança representaria retrocesso na luta contra a impunidade. A possibilidade de numerosos recursos enfraquece não só o combate à corrupção, mas também outros crimes gravíssimos, como homicídios, roubos, estupros e tráfico. Só aumentaria a sensação de insegurança, a descrença na Justiça e a ineficiência do sistema punitivo — argumenta a procuradora Maria Emília Corrêa da Costa Dick, coordenadora da Lava-Jato na Procuradoria Regional da República da 4ª Região.
Com condenação confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) e temendo a expedição de mandado de prisão, Lula ingressou com pedido de habeas corpus preventivo no STF. Se o recurso for concedido, a decisão será usada como argumento para que a defesa dos demais condenados ajuízem ação semelhante.
— É um mecanismo que nos permite ter estampado o comportamento dos ministros. Acaba criando nova jurisprudência — avalia um advogado de réus na Lava-Jato.
Na Justiça Federal do Paraná, a percepção é a mesma. Servidores que atuam com Moro entendem que nem todos os condenados que já cumprem pena serão soltos automaticamente, mas que a concessão de hábeas a Lula resultaria em enxurrada de pedidos no STF.
— Não acho que todos possam ser soltos, mas abre precedente grave, porque nada impede que um ministro conceda habeas corpus até mesmo de ofício (sozinho) — alerta interlocutor de Moro.
A princípio, o resultado não tem repercussão geral — não é automaticamente válido para processos semelhantes. Um dos ministros pode levantar questão de ordem para que o plenário decida se o julgamento servirá como baliza para situações futuras. Caso isso aconteça, os 11 condenados que já cumprem pena na Lava-Jato poderão ser soltos.
— Como se trata de um habeas corpus, algo que é individual, talvez seja tecnicamente inviável garantir a repercussão geral. Mas está muito claro no artigo 5º da Constituição: ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Não se pode fazer juízo de conveniência. Se quiserem prender após 2ª instância, que se mude a Constituição — afirma o criminalista Eduardo Ferrão, que há 30 anos atua perante tribunais superiores em Brasília.
A sessão prevista para as 14h retoma julgamento interrompido há duas semanas, quando ministros alegaram compromissos particulares e cansaço para adiar a decisão. No período, a pressão subiu. Na segunda-feira, houve guerra de abaixo-assinados no STF. Juízes e membros do Ministério Público recolheram mais de 5 mil assinaturas defendendo a execução provisória. Entidades pelo direito à defesa penal reuniram a subscrição de 3,6 mil advogados em sentido contrário. Nesta terça-feira (3), o senador Lasier Martins (PSD-RS) entregou carta aberta à Corte em nome de 20 colegas por apoio às prisões.
A mobilização também ganhou as ruas com protestos contra e a favor do ex-presidente. Para quarta-feira, estão previstas novas manifestações perto do STF. O governo do Distrito Federal organizou esquema especial de segurança, dividindo os grupos pró e anti-Lula. Ao final do julgamento, quando os 11 ministros empertigados sob longas capas pretas proferirem seus votos, só um dos lados vai comemorar.