Sob a escolta de milhares de apoiadores, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu passar as últimas horas antes de ser preso no local onde nasceu politicamente, no fim da década de 1970. O refúgio escolhido foi uma sala no segundo andar do prédio do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, que ganhou ares de QG e trincheira de batalha.
Condenado a 12 anos e um mês de cadeia por lavagem de dinheiro e corrupção passiva, o ícone da esquerda tinha até as 17h desta sexta-feira para se apresentar à Polícia Federal (PF), mas optou por não atender ao prazo oferecido pelo juiz federal Sergio Moro para o início do cumprimento da pena.
A assessoria da 13ª Vara da Justiça Federal em Curitiba, na qual despacha Moro, esclareceu que o ex-presidente “não descumpriu ordem judicial” porque o período concedido pelo magistrado era um “prazo de oportunidade” em virtude do cargo ocupado pelo petista. Cabe agora à PF as tratativas de cumprimento da ordem, reforçou a assessoria.
A notícia de que Lula não pretendia arredar pé de São Bernardo levou uma multidão de simpatizantes aos arredores da entidade sindical, na região central da cidade. Além de prestar solidariedade ao líder, o grupo planejava formar um cordão de isolamento humano em torno dele, para impedir que fosse levado preso à força.
Nas mais de 24 horas em que Lula permanece no prédio, militantes do PT, do PC do B, do PSOL e do PCO, sindicalistas e integrantes de movimentos sociais se aglomeraram em uma longa vigília do lado de fora, que mesclou discursos inflamados e intervalos com direito a música popular brasileira, cerveja e churrasquinho.
Na madrugada de sexta-feira, o ex-presidente chegou a surgir na janela, no segundo andar do edifício, onde tinha a companhia de amigos e companheiros de sigla, como a ex-presidente Dilma Rousseff. Mandou beijos, abanou e fechou o punho como se comemorasse vitória. A catarse foi imediata: na rua, os apoiadores entoaram, em uníssono, “Lula, guerreiro do povo brasileiro”, repetidas vezes.
Discurso cancelado e contagem regressiva
A madrugada avançou, e muita gente deixou o local. Um grupo fiel permaneceu. Homens e mulheres do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) que vivem na Ocupação Povo Sem Medo, em São Bernardo, montaram barracão com ripas de madeira e lonas na rua lateral do sindicato. Em um panelão, prepararam arroz. Espalharam colchões e travesseiros na calçada e dormiram ao relento.
Até as 8h da sexta-feira, a maioria ainda descansava. O zumbido dos helicópteros das redes de TV era mais alto do que a modinha sertaneja tocando em uma Kombi estacionada ali.
O movimento começou a ganhar corpo somente a partir das 10h, até chegar ao ápice, no fim da tarde, quando mal era possível caminhar no meio da aglomeração ansiosa e barulhenta.
— Para prender Lula, tem de passar por cima deste povo — declarou o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), repetindo o mantra entoado pelos líderes que se revezaram ao microfone.
No fim da tarde, havia expectativa de que o ex-presidente fosse até o caminhão de som para fazer discurso à multidão que o aguardava, mas a intenção acabou cancelada em razão da dificuldade para movimentação no local e por orientação de advogados para evitar o acirramento dos ânimos com tom de desafio à Justiça. O mar de militantes pôde, ao menos, ver o petista – que fez nova e rápida aparição nas janelas do segundo andar do prédio.
— Quando alguém investido de poder do Estado persegue um cidadão, não há outro nome: abuso de autoridade. Todo roteiro de Moro viola o processo legal e os direitos humanos — afirmou a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS).
Faltando 10 segundos para as 17h, o público iniciou a contagem regressiva. O clima era uma mistura de desforra e provocação, já que o prazo de Moro havia, enfim, se encerrado, mas o petista continuava ali, intocado.
Lula deve ficar no Sindicato dos Metalúrgicos em São Bernardo do Campo ao menos até a manhã deste sábado. Está prevista para as 9h uma missa no local em homenagem à mulher do petista, Marisa Letícia, que morreu em fevereiro de 2017. Depois, é possível que ele se apresente à Polícia Federal em São Paulo ou Curitiba.