Superada a aprovação do acordo de recuperação fiscal, o Piratini ainda enfrenta outros dois desafios no processo percorrido para referendar o regime com a União. Na prática, a votação da madrugada de quinta-feira (8) representou somente um modesto passo nos planos do governo gaúcho.
O primeiro dever está no envio de uma nova proposta de contrato que supere as discordâncias sobre o orçamento estadual levantadas pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Em paralelo, o governo encara novo embate na Assembleia para afastar a necessidade de plebiscito para privatizar estatais.
Pelo cronograma do secretário da Fazenda, Giovani Feltes, o plano reformulado deve ser apresentado à STN ainda neste mês. Porém, a etapa depende de entendimento com o Tribunal de Contas do Estado (TCE) para alterar os critérios de cálculo de comprometimento de despesas com pessoal no orçamento — pelo índice atual, o governo está longe do limite exigido para aderir ao plano da União.
— As condições do Estado foram robustecidas nas negociações com o governo federal. Sem a aprovação, estávamos fragilizados — avalia Feltes.
Há duas semanas, o Piratini protocolou no TCE pedido de parecer sobre as repercussões na mudança do cálculo da folha de pagamento. No cenário mais otimista, o assunto deve ser levado ao pleno em dois meses, mas, internamente, enfrenta resistência. Isso porque o entendimento impactaria também os demais poderes e comprometeria a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) de órgãos e prefeituras.
Em Brasília, o governo estadual ainda esbarra no rigor técnico. Em nota, a STN limitou-se a informar que o "Rio Grande do Sul precisa agora fazer um trabalho junto ao TCE para atender às cláusulas do protocolo de acordo firmado no fim do ano passado".
No Piratini, o consentimento dos deputados veio como alívio, mesmo que temporário. Interlocutores de José Ivo Sartori avaliam que a aprovação evita a queda da liminar do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendendo o pagamento da dívida com a União — uma parcela de cerca de R$ 280 milhões mensais.
— O argumento jurídico para manter a decisão de pé está entre os grandes produtos dessa votação favorável. Caso contrário, a situação seria ainda mais caótica — comemora o líder do governo na Assembleia, Gabriel Souza (PMDB).
A polêmica do índice
— Dependendo do tipo de cálculo adotado, o percentual de comprometimento da receita do Estado com o funcionalismo muda.
— O Tribunal de Contas do Estado (TCE), que faz o cálculo considerado oficial, não considera, na composição de seu índice, despesas com pensões, auxílios, abono de permanência e Imposto de Renda retido na fonte. Esses critérios sempre foram adotados pelo Rio Grande do Sul.
— Com essa metodologia, o comprometimento com pessoal ficava em 52,39% da receita corrente líquida em 2016 (o dado de 2017 ainda não foi divulgado), ajudando os governadores a ficar abaixo do limite de 60% determinado pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
— O Piratini pediu no pré-acordo que fosse adotada a metodologia da STN, incluindo os desembolsos deixados de fora pelo TCE. Assim, o Estado passaria a cumprir a exigência de 70% de comprometimento da receita com pessoal. A solicitação foi negada pela STN.
"Não há plano B", diz Feltes sobre PECs
Além dos aspectos técnicos do contrato, o Piratini pretende pressionar o parlamento para que as propostas de emenda à Constituição (PECs) que dispensam plebiscito para a venda de três estatais entrem na pauta de votações. Fundamentais para celebrar o acordo, proposta de privatização ou federalização de empresas públicas tramita há um ano e meio na Assembleia — sem perspectiva de ir a plenário.
Desde dezembro, os projetos sobre CEEE, Companhia Riograndense de Mineração (CRM) e Sulgás estão em análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Sem acordo de líderes, o governo vem fracassando para levar à apreciação.
São necessários votos de 33 dos 55 deputados para aprovar as medidas. Menos polêmica, a adesão ao regime passou com o aval de 30 parlamentares. Por isso, estima-se que o Piratini não tenha a anuência necessária.
— Não há plano B. O governo segue trabalhando com a ideia de votá-las na Assembleia — afirma Feltes.
O Piratini considera as PECs cruciais porque precisa apresentar garantias à União para referendar o regime. Ciente da dificuldade, estuda ingressar no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a constitucionalidade da necessidade de plebiscito ou levar à União a alternativa da venda de ações do Banrisul e da Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR).
Por sua vez, os partidos de oposição pretendem dificultar os planos. Encerrada a sessão, anunciaram um recurso judicial pedindo a anulação da sessão.
— É um absurdo que se tenha aprovado um regime sem seus termos em mãos — diz Stela Farias (PT).