Ter emplacado na Assembleia o projeto de lei complementar que autoriza o Estado a aderir ao regime de recuperação não foi a tarefa principal do Executivo, que busca com o governo federal um fôlego bilionário no orçamento. Embora a aprovação do texto tenha sido um primeiro passo, a partir de agora outros leões aparecerão no caminho. O primeiro a ser encarado se chama Ana Paula Vescovi, secretária do Tesouro Nacional.
Desde as primeiras conversas com representantes do governo do Estado, técnicos do Ministério da Fazenda apontavam problemas que deveriam ser resolvidos. Entre eles, segundo a Lei 159/2017, que versa sobre o acordo, está o patamar de comprometimento com custeio de todos os poderes. Pelos cálculos do Tesouro Nacional, o total de gastos da folha salarial (R$ 18,3 bilhões) e do pagamento da dívida (R$ 1,74 bilhão) chegaria a 57,98% da receita em 2016, enquanto o regime de recuperação fiscal estabelece que essas duas despesas precisariam alcançar no mínimo 70%.
O governo do Estado dificilmente conseguirá transpor problemas técnicos e burocráticos já estabelecidos pela regra federal, mesmo amparado por articulação política do ministro Eliseu Padilha. Quem conhece Ana Paula Vescovi, garante que ela “não cruza certas fronteiras” e que está preparada para resistir a pressões típicas de Brasília.
Para assinar o regime de recuperação, conseguir a suspensão do pagamento da dívida e ter a liberdade de contratar empréstimo, o governo do Estado precisa seguir o que diz a lei federal e entregar estatais. As propostas de emenda à Constituição que retiram a necessidade de plebiscito para privatização ou federalização de CEEE, Sulgás e CRM estão trancadas na Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia. Mesmo que fossem a plenário, seriam rejeitadas pelos deputados.
Em outra frente, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) estuda ir à Justiça questionar a legitimidade do artigo constitucional da consulta pública – a tese é de que a emenda proposta em 2002 tem vício de origem, porque foi de iniciativa parlamentar e acaba por engessar o Executivo.
Se resolver não ir ao Supremo Tribunal Federal (STF) com esse assunto, ao Piratini restará oferecer os ativos que não precisam de plebiscito. A Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR) está entre as possibilidades. Técnicos avaliam se vale a pena repassá-la inteira ou se compensa mais extingui-la para depois negociar as concessões.
O tempo também está apertado. José Ivo Sartori tem mais 10 meses como governador e, caso queira ser candidato à reeleição, terá de fazer nesse período o que não conseguiu em três anos devido à falta de dinheiro. As poucas obras em escolas de que se têm notícia ainda são de financiamento contratado no governo anterior.
Corrida com obstáculos
Apesar da derrota na madrugada desta quinta-feira (8), integrantes da oposição na Assembleia conseguiram arrastar o debate sobre a adesão ao regime de recuperação por mais de um mês. As manobras deram vitórias parciais ao lado minoritário do Legislativo. Desde o dia 22 de dezembro, devido à limitação de quatro horas das sessões, deputados de PT, PSOL, PC do B e parte do PDT e do PTB ocuparam a tribuna para fazer o tempo passar sem que houvesse votação.
Na terça-feira, depois que um mandado de segurança desacreditado até por opositores de Sartori foi impetrado, o Tribunal de Justiça interrompeu por mais um dia a discussão do regime na Assembleia.
O estoque de manobras terminou por volta das 4h30min, quando não havia mais espaço para subir à tribuna. Nem os sucessivos pedidos de verificação de quórum, que em um dia deram certo, foram efetivos.
Restou recorrer à Justiça sobre o que foi consumado. Pedro Ruas, que se tornou líder simbólico do movimento contrário ao regime, pediu aos subscritores do mandado de segurança uma vez aceito pelo TJ, que não votassem na proposta, a fim de dar legitimidade à contestação posterior. A ideia é pedir à Justiça a anulação da sessão – a decisão, porém, deve demorar a chegar.
Aliás
Para colocar em votação e aprovar o texto puro do projeto de adesão ao regime, o governo fez promessas. Se comprometeu a encaminhar à Assembleia proposta com mesmo conteúdo das emendas apresentadas pela base. A retirada dos anexos diminuiu a sessão em nove horas, calcula o governo.
Contrário
O deputado Pedro Pereira (PSDB) votou contra o projeto do Piratini. Os tucanos já saíram do governo, mas votam como base. Pedro disse que não acredita no governo, nem no PLC que estava na pauta.
Verificação de Quórum
Descontente com a tática da oposição, de pedir 26 verificações de quórum em quase 12 horas de sessão, o deputado Lucas Redecker (PSDB) protocolou requerimento sugerindo mudanças na forma como o pedido é feito.
Geralmente, quem solicita a contabilidade não registra a própria presença. Lucas quer que o autor seja registrado automaticamente, assim que pedir nova verificação.
Na verdade, a tática de refazer a contagem de deputados é antiga e foi usada em outros governos.